Quando se viram, foi uma espécie de amor à primeira vista. De tal forma que nada inibiu Kátia, divorciada duas vezes e mãe de dois filhos de enfrentar tudo e todos para assumir o seu amor, oficialmente selado na Holanda, onde se uniu com a neerlandesa Wasselien.
Kátia é médica, trabalha no Centro de Saúde de Odemira, e Wasselien é gestora de recursos humanos. Vivem numa casa arrendada por Kátia, em Porto Covo, na costa litoral alentejana, mas conheceram-se na Holanda. "Quando a Wasselien me viu, apaixonou-se logo, segundo ela conta. Eu também senti uma simpatia imediata". 0 resultado foi o casamento pouco tempo depois.
Encontrar-se ao fim de dois casamentos
Olhando para trás, Kátia recorda que já aos 17 anos tinha sentido "uma franca apetência" por alguém do mesmo sexo, mas o facto de ter sido "educada num colégio de freiras", num cenário conservador, coarctou a sua opção por qualquer caminho que, desde logo, pudesse tomar nesse sentido.
Talvez por isso mesmo manteve duas relações heterossexuais que acabariam por resultar em dois casamentos. Apesar de ter nascido no ex-Congo Belga, viveu vários anos em Lisboa e na Holanda. "Fui viver para a Holanda porque casei com um holandês, mas sempre senti saudades de regressara Portugal, sobretudo do mar. Por isso escolhi o litoral para viver" - afirma, o que efectivamente fez em 1997.
0 facto do seu filho ser perseguido por skinheads, só pelo facto de ter olhos e cabelos escuros, completou o quadro de regresso.'"Na Holanda existe um enorme racismo escamoteado e o meu filho foi espancado por causa da cor da pele. No mesmo minuto abandonámos a casa e só tive tempo de fazer as malas".
A sua opção sexual foi "bem encarada" pelas filhos e por alguns familiares, "aqueles que me interessam, de qualquer das formas. A minha mãe chegou mesmo a ir ao nosso casamento. Ela disse-me que nunca me viu tão feliz em toda a minha vida e só isso já lhe bastava".
Mais abertura no litoral que no Interior
Actualmente, no ambiente de trabalho, "todas as pessoas respeitam e aceitam" a sua homossexualidade mas há sempre quem tenha comportamentos menos abertos ou mais preconceituosos.
"Quando trabalhei em Ferreira do Zézere, sentia em absoluto que as pessoas eram simpáticas no consultório, mas em público, no exterior, baixavam muitas vezes discretamente a cabeça e não queriam ser vistos na nossa companhia. Deviam achar que se pegava, ou qualquer coisa do gênero. Ainda há muita estupidez, infelizmente".
Sem direitos mas feliz
Socialmente, hoje estão bem integradas, ao assumirem publicamente a sua opção sexual. "Há mais receptividade para aceitar a homossexualidade no Alentejo litoral" - declara Kátia.
Contudo, os direitos sociais, jurídicos e fiscais de que usufruía na Holanda "acabaram completamente", quando decidiu radicar-se em Portugal. "Uma pessoa casa por amor mas também para obter direitos práticos na vida e aqui em Portugal, a nível de legislação, isso não é ainda possível".
Daí que defenda que a lei das uniões de facto se aplique, igualmente, aos casais homossexuais. "As coisas mínimas, como é o caso da assistência familiar e apoio à doença, estão-nos vedados. Não creio que os meus filhos façam qualquer tipo de problema. mas se me acontecesse alguma coisa os direitos da Wasselien ficariam em causa, apesar de até sermos casadas".