0 Comércio do Porto Segunda-feira 9 de Outubro de 2000
PRIMEIRO PLANO
EM PORTUGAL EXISTEM APROXIMADAMENTE 800 MIL HOMOSSEXUAIS, À SEMELHANÇA DAS PERCENTAGENS EUROPEIAS. NA MAIORIA DOS CASOS, SER HOMOSSEXUAL É CAIR NO SILÊNCIO DA CLANDESTINIDADE, VIVER APRISIONADO ENTRE PRECONCEITOS E SEGREDOS. 0 DEBATE PARLAMENTAR SOBRE ECONOMIA COMUM/UNIÕES DE FACTO DE HOMOSSEXUAIS ESTA PREVISTO PARA BREVE. HÁ QUATRO PROJECTOS-LEI EM CIMA DA MESA
Homossexuais:
uma imensa minoria
FÁTIMA DIAS IKEN (TEXTOS)
Estima-se que em Portugal o seu número ascenda a quase dez por cento da população A única característica que os distingue da maioria é a sua apetência sexual. Gostar de alguém do mesmo sexo continua a ser um tabu para a maior de parte dos portugueses. Por isso mesmo, os homossexuais têm pela frente alguns engulhos a superar. Pais, amigos, familiares, entidades patronais e o próprio Estado.
Apesar dos homossexuais poderem, cada vez mais, assumir as suas tendências, social e politicamente continuam a sentir-se discriminados. Ainda hoje, em Portugal a grande maioria ainda silencia desejos ou vive-os clandestinamente. Outros são apontados com dedo acusador ou alvo de perseguições.
Jorge teve de esperar pelos 26 anos para conseguir assumir-se como homossexual ou seja, «sair do armário como é commumente pelidado na gíria gay. 'Sempre soube o que queria mas a pressão social e familiar nunca me permitiu viver afectivamente uma relação homossexual. Foram anos de terror, de opressão, porque não queria defraudar a imagem que tinha criado entre amigos e familiares. Apesar de só muito recentemente ter revelado à família a sua opção sexual, afirma "que mais valia não o ter feito"."Nunca mais me olharam da mesma forma. Mas quis ser finalmente honesto para comigo mesmo e por isso tinha de dizer-lhes".
0 mesmo sucede no local de trabalho, pois não passa pela cabeça dos colegas que o Jorge é homossexual '"Acho que se soubessem, automaticamente seria marginalizado e não teria o minimo de hipóteses de promoção na empresa". Vive, há mais de três anos, em união de facto, só que a lei não o contempla ainda. "Vivo numa casa alugada, que por acaso até tem uma renda alta, mas os direitos que se aplicam aos heterossexuais não nos abarcam, como os decorrentes do regimes de arrendamento, direito sucessório, segurança social e fiscal". Por outras palavras, um homossexual ainda continua rodeado de bloqueios na sociedade portuguesa e a maioria hesita ou recusa revelar abertamente a sua condição por medo do reverso da medalha.
Para Antônio Serzedelo, da Opus Gay, as reivindicações pelos mesmos direitos "só vão acabar quando os homossexuais forem reconhecidos pela sociedade e tiverem os mesmos direitos estabelecidos para os heterossexuais".
Esperam, de novo, que a lei das uniões de facto para homossexuais seja agendada pela Assembleia da República, depois da discussão ter sido adiada mais uma vez, em junho passado.
A discussão dos quatro projectos lei - um do Bloco de Esquerda e os outros de Os Verdes e dos Partidos Socialista e Comunista - sobre Uniões de Facto/Economia Comum apresentados na Assembleia da República (AR) está de novo prevista para breve, mas o Partido Socialista não possui ainda a garantia de recolher os apoios necessários para a aprovação da lei sobre união de facto, mas sim apenas para a economia comum, segundo disse ao COMÉRCIO fonte parlamentar.
O eurodeputado socialista Sérgio Sousa Pinto acusou Francísco Assis de atrasar a apreciação pelo Parlamento da proposta sobre as uniões de facto homossexuais, afirmando que o líder da bancada socialista terá recebido instruções para "empastelar" o processo.
"Não é a primeira vez que considerações tácticas se interpõem entre o Partido Socialista e os seus princípios e convicções", avançou o ex-líder da juventude Socialista que levou a questão ao plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, na passada quarta-feira.
Também recentemente, foi enviado à Assembleia da República um abaixo-assinado com uma lista de nomes de personalidades francesas - entre as quais consta o nome de Cohen-Bendit, do Partido Comunista Francês e um dos "rebeldes" do Maio de 68 - para levar a lei das uniões de facto para homossexuais ao Parlamento.
Os agendamentos sucessivamente adiados da discussão dos projectos-lei têm sido, para Serzedelo, "escandalosos e só se espera que agora a lei a aprovar pelo Parlamento seja manifestamente boa".
"0 que queremos é uma lei que equipare as ligações homossexuais às heterossexuais. Já não estou a falar de casamento que é para não provocar distúrbios. 0 que se pretende é igualdade de direitos e conrnosco temos um apoio que é o facto de Portugal ter subscrito o art. 13 do Tratado de Amsterdão".
Economia comum "é tapar o sol com a peneira"
0 ideal, para Serzedelo, seria provar a lei união de factoleconomia comum em simultâneo. "A lei da economia comum diz respeito apenas a pessoas que vivem juntas, mas não reconhece o elo afectivo que a união de facto condensa, ou seja, que se refere a pessoas que partilham a mesma casa, o mesmo amor, a mesma cama. Onde nos reconhecemos é na união de facto, mas é óbvio que também é importante a economia comum ser aprovada". Caso apenas seja legislada a economia comum defende que "será o mesmo que dar amendoins a um elefante. Depois não venham dizer que temos fome. Isso seria apenas tapar o sol com a peneira", acrescenta.
Kátia Abrantes Miranda é médica e trabalha no Alentejo. Casou com uma mulher, na Holanda, onde usufruía de todos os direitos, mas aqui em Portugal, sua terra natal, veio encontrar só dificuldades. Apesar de ser casada, estão-lhe vedados direitos sociais e fiscais que os heterossexuais casados possuem (ver caixa).
Como exigências irredutíveis para os membros da comunidade homossexual a curto prazo, António Serzedelo reclama a igualdade de direitos face aos decorrentes de contratos dos regimes de Arrendamento, Sucessório, da Segurança Social e Fiscal, regime de férias, faltas e licenças, pensão por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional.
A Lei nº 135/99, publicada a 28 de Agosto de 1999 veio adoptar medidas de protecção da união de facto, respeitantes a estruturas familiares não decorrentes do casamento institucional.
Só que a presente lei regula a situação jurídica das pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais de dois anos, o que não se aplica ainda a casais homossexuais.
"A sociedade continua a ser cruel"
No passado dia 26, a Assembiela do Conselho da Europa emitiu uma recomendação em que reafirma a necessidade de proteger os direitos dos homossexuais. No documento recomenda aos governantes que tomem medidas para incluir explicitamente a homossexualidade nas medidas não descriminatórias e ao mesmo nível de programas contra o racismo.
Como não existe ainda nenhum censo efectuado em Portugal sobre o número de homossexuais. o indicativo é regido pelas percentagens europeias. "Estimamos que haja cerca de um milhão em Portugal». Só o site da Portugal Gay tem cerca de mil visitas diárias.
Seja como for. "o amor entre as pessoas do mesmo sexo continua a ser reprimido e ridicularizado", É um facto. Daí que a chamada comunidade LGBT - que inclui lésbicas, gays, bissexuais ou transgenders - se tenha polarizado em várias associações como a Opus Gay, ILGA Portugal. Club Safo, Grupo Lilás ou Portugalgay e ainda o GTH (Grupo de Trabalho Homossexual) do PSR.
Muitos homossexuais vivem ainda hoje, segundo Serzedelo, "na total clandestinidade e num verdadeiro desespero". "Entram em depressões graves, tudo porque a sociedade continua a ser cruel. Continuam a não se conseguir exprimir, não encontram saídas para a sua vida".
A Opusgay está por isso na base do primeiro e inédito programa de rádio gay, semanal, na Rádio Voxx, "Vidas Alternativas», em 91.6-Lisboa, 90.0-Porto, às quartas, a partir das 21 horas, que aborda "de uma forma serena, responsável e sem hipocrisias, a questão das minorias sexuais".
A comunidade acusa o Estado de "hipocrisia" ao não aceitar que a opção sexual seja incluída nos Censos de 2001 discriminando desta forma "uma parte da população que não aceita ser excluída".
António Serzedelo, presidente da Opus Gay, exigiu aos deputados que cumpram o que prometem porque, se não o fizerem, "estão a pôr em cheque o próprio regime democrático".