De acordo com a sentença, o transexual, que nasceu do sexo feminino, passará a ser oficialmente chamado pelo seu nome masculino, o qual é conhecido desde a adolescência. A decisão, considerada inovadora, foi divulgada ontem pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que requereu a acção de rectificação do registo civil.
Agora oficialmente com nome masculino, o transexual, que se sentia constrangido com o facto de ter nome e sexo femininos nos seus documentos, procurou a Defensoria Pública de Bauru, órgão que presta assistência jurídica gratuita a pessoas que não têm condições de pagar a advogados. A advogada pública Márcia Rossi Coraini, que requereu a acção, frisa que a inovação da sentença é ter garantido o direito de mudança de nome e género nos documentos sem que a pessoa tenha passado por uma cirurgia para mudança de sexo.
Pelas pesquisas que fiz, todos os outros casos de mudança de nome e de género nos documentos ocorreram após a cirurgia, afirma. A decisão baseou-se nos argumentos da advogada pública, de que a finalidade do nome é o reconhecimento e individualização de uma pessoa no meio em que vive e que o registo público tem que manter a relação directa com aquele que é aceite socialmente, sendo que a modificação pode ser feita nos casos em que a pessoa possua um nome capaz de a expôr ao ridículo.
O transexual, segundo a advogada, foi registado como sendo do sexo feminino, mas desde a mais tenra idade possui uma identidade de género masculina e é reconhecido socialmente como sendo do sexo masculino, sentindo-se constrangido quando o seu nome é revelado em lugares públicos. Na adolescência, submeteu-se a tratamento hormonal e a uma mastectomia (cirurgia para remoção dos peitos), e vive há mais de três anos na companhia de uma mulher e dos seus filhos.
Se quiser, o transexual pode ainda submeter-se à cirurgia de redesignação de sexo, mas a advogada refere que o que mais o constrangia era o nome feminino. Na sentença, a juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, ressalva que a cirurgia de transgenitalização é providência de cunho essencialmente íntimo, a ser realizada quando quiser. A inexistência desse procedimento (...) não implica a impossibilidade de rectificação do registo civil, diante do quadro real e psicológico que vivencia, escreveu na decisão.
Na sentença consta, ainda, que o transexual desde a infância, apesar da biologia feminina, sempre se sentiu do sexo masculino a ponto de jamais se ter envolvido ou relacionado com homens. Devido à angustia e abalos psíquicos, derivados da sua situação, realizou tratamento hormonal e fez uma cirurgia na qual retirou os seios para ser reconhecido como homem. No entanto, com nome feminino, continuou a sofrer os mais variados vexames e situações sociais constrangedoras.
Durante o processo, o Ministério Público deu parecer de que não se trata de lesbianismo, mas sim de transexualidade pois, embora tenha corpo de mulher, o requerente comporta-se e vive como um homem tanto que suas relações afectivas sempre foram e são como as de um verdadeiro homem, com outra mulher. Consta que actua como provedor do lar que mantém com pessoa do sexo feminino, com quem vive, descreve na sentença. A acção foi proposta em Fevereiro de 2008 e o pedido foi julgado procedente em Fevereiro deste ano. A acção tramitou na 1.ª Vara Cível da Comarca de Bauru. O nome do transexual não foi divulgado.
Fonte: Jornal da Cidade de Bauru
Nota: Este caso abre um precedente legal importantíssimo para o Brasil, pois aufere o direito a qualquer pessoa a ter a sua identidade de género reconhecida, independentemente de se ter submetido ou não à CRS.
Em Portugal também já aconteceu o mesmo com pelo menos um transexual masculino, que viu deferida a alteração de nome e género apenas tendo feito na altura uma mastectomia. Curiosamente, para as transexuais femininas, mesmo com próteses mamárias, tal não acontece.