O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) , com sede em Estrasburgo (França), decidiu hoje que a Espanha não discriminou esta transexual de Lugo pelas restrições impostas ao seu direito de visitar o filho. O Tribunal teve em conta os "superiores interesses da criança", porque a "instabilidade emocional" do pai, que continuou o seu processo de mudança de masculino para feminino, era susceptível de perturbar a criança, e declarou que neste caso não houve discriminação na violação do direito à vida privada e familiar. Por outras palavras, baseado num relatório extremamente duvidoso, a mensagem transmitida é que a transexualidade é algo prejudicial a uma criança.
Na altura da separação em 2002, o juiz concordou com o acordado por ambos os pais, e atribuiu a guarda da criança à mãe e à guarda de ambos conjuntamente. Estabeleceu um sistema de visitas em favor do pai, com quem a criança terá de passar um fim de semana de dois em dois e meio período de férias escolares. No entanto, a mãe, P. Q., requereu dois anos depois, em Maio de 2004, que se privasse o pai do exercício da autoridade parental, se suspendessem as visitas e toda a comunicação com o pai da criança, que tinha então seis anos. Alegando "falta de interesse" do pai para com a criança e o facto do pai seguir um tratamento hormonal para mudança de sexo e usar normalmente vestidos e maquilhagem de mulher. Claramente, pedindo uma revisão por causa da transexualidade de Alexia, sem sombra de dúvida. Um tribunal de Primeira Instância de Lugo decidiu rejeitar o pedido de privação do poder paternal tendo antes decidido restringir as visitas.
O juiz, sob proposta de psicólogos, aprovou uma visita um sábado em cada dois, entre as 17h00 e as 20h00, num local onde os suspeitos de abuso sexual e de maus tratos costumam ver os seus filhos em Lugo, sob controle profissional e na presença da mãe. O regime era progressivo até que o pai se submetesse à cirurgia e recuperasse completamente a sua saúde física e psicológica. O juiz ressalvou que a transexual havia começado o processo de transição apenas há alguns meses antes, o que implicava mudanças profundas em todos os aspectos da sua vida e personalidade, e um relatório evidentemente parcial de uma psicóloga tinha identificado instabilidade emocional.
A decisão do juiz foi confirmada pelo Tribunal de Lugo, recordando que um regime de visitas normal poderia comprometer o equilíbrio emocional da criança e que esta devia ser gradualmente acostumada com a decisão do seu progenitor, o que estava a ser conseguido porque a relação afectiva entre ambos era boa. Em Fevereiro de 2006, as visitas foram ampliadas para um domingo de cada dois por cinco horas, e em Novembro de 2006, um sábado e domingo em cada dois durante oito horas.
Entretanto, Alexia interpôs recurso no Tribunal Constitucional contra as decisões do Tribunal de Justiça e a sentença. O recurso foi rejeitado por considerar o tribunal superior que as restrições não eram resultado da transexualidade do progenitor da criança, mas da sua instabilidade emocional, o que implica a existência de um risco significativo de perturbação da saúde emocional e do desenvolvimento da personalidade da criança, tendo em conta a idade de seis anos. Alexia entrou então com um processo judicial contra a Espanha a 18 de junho de 2009 perante o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Foi o primeiro caso do género a ser levado para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No entanto, Estrasburgo não lhe deu nenhuma razão.
O TEDH na sua sentença, aprovada por unanimidade, que, embora a transexualidade seja reconhecida no artigo 14º como classe protegida da discriminação, neste caso não é uma questão de orientação sexual, mas que o motivo determinante era o risco de danificar o desenvolvimento mental e da personalidade do menor, já que a instabilidade emocional do recorrente tinha sido confirmada por uma psicóloga. O Tribunal de Estrasburgo considerou que a sentença espanhola, ao invés de suspender os direitos de visita, acordou num esquema evolutivo, com apresentação de um relatório de acompanhamento da situação a cada dois meses. Em suma, o Tribunal admite que foi o superior interesse da criança e não a transexualidade da requerente que prevaleceu na decisão, pelo que concluiu que não houve violação dos seus direitos. A requerente poderá agora interpôr recurso no prazo de três meses para o encaminhamento ao Pleno do Tribunal de Justiça, composto por 17 juízes.
Poder-se-ia imaginar esta questão em Estrasburgo com uma decisão que restringisse alguns pais de verem os seus filhos por serem homossexuais? Claro que não. Mas na Europa e na Espanha, em 2010, é possível, quando se trata de transexuais. Este é um dos perigos da transexualidade continuar a ser considerada uma doença mental. Psicologicamente todas as pessoas transexuais são emocionalmente instáveis. Para um país com uma lei de identidade de género considerada das mais avançadas da Europa, não deixa de ser curioso como não protege de discriminações deste tipo e de outros.