Hoje e pela primeira vez desde que comecei a escrever sobre os filmes que vejo no Queer, já desde há una anos, e também desde o ano passado para o PortugalGay.pt , repito, pela primeira, vez vou dividir este diário em dois, pois a importância de dois filmes que hoje vi assim o justifica.
Na parte da tarde, assistia um documentário inserido na secção Panorama, intitulado “The Spark: the Origins of Pride”, um filme francês realizado por Benoit Masococo.
É uma história da luta LGBT desde a década de 1960 até aos dias de hoje, em que nos é dado assistir aos tempos em que a homossexualidade era considerada uma doença e era tratada em estabelecimentos psiquiátricos com métodos violentos e de extrema crueldade.
Ouvimos falar de Anita Bryant, uma activista contra tudo o que era homossexual e o enorme boicote que as suas acções desencadearam; os bares gays que começaram a aparecer em Nova York eram pequenos e pouco recomendáveis mas eram os únicos locais em que a comunidade gay se podia reencontrar.
Constantes rusgas e prisões levaram a que em 1969, e durante mais uma rusga ao bar Stonewall, os frequentadores reagissem e se defendessem, movimento esse que alastrou rapidamente.
Foi o primeiro grito de revolta e foi posteriormente escolhida essa data como a melhor, mais simbólica para celebrar o orgulho gay – e assim nasceu o Pride…
Daí se foram dando passos importantes como a eleição de Harvey Milk para um cargo municipal em São Francisco, cidade que entretanto se tornou o grande centro gay da América e do Mundo.
O posterior assassinato de Harvey Milk e do Mayor de São Francisco produziu consequências enormes na luta da população LGBT pelos seu direitos e neste filme podemos ver como começaram a aparecer em Paris os primeiros bares gay.
Dá-se então nas décadas de 70 e 80 o apogeu da vida gay, com zonas míticas como o Castro em São Francisco, o Marais em Paris, Greenwich Village em Nova York e o aparecimento de Amesterdão no mapa gay.
Entretanto o aparecimento do VIH/SIDA no princípio dos anos 80 foi um duro golpe nas pretensões da comunidade LGBT e muito aproveitado por organizações religiosas que se apressaram a afirmar que essa doença que atacou sobretudo os gays masculinos era um castigo divino…
De qualquer forma o VIH/SIDA veio alterar, e muito, o comportamento dos homossexuais, mas só em 1990 a homossexualidade foi erradicada como doença por organismos oficiais.
Já no século XXI se assiste a um começo do reconhecimento legal em diversos países do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e também ao direito de adopção de crianças por homossexuais, movimentos esses que se têm alargado a muitos países de todos os continentes.
Infelizmente a homofobia continua a reinar em países desenvolvidos como a Rússia, e as agressões a pessoas da comunidade LGBT sucedem-se.
Há ainda inúmeros países onde a homossexualidade é punida por lei e nalguns deles com a pena de mortes e nestes novos tempos a comunidade LGBT alargou-se a outras áreas e portanto a luta continua.
Tudo isto é retratado neste magnífico documentário, que acaba com diversos coros de gays a interpretarem “Every Life Shall Be A Song”.
É evidente que este filme me tocou especialmente pois eu fui testemunha de muitos destes acontecimentos, vivi alguns activamente, com uma saída do armário em tempos não tão liberais como hoje e pude assistir aqui no meu país a acontecimentos muito marcantes como o aparecimento de movimentos activistas, recordo o 1º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, como era chamado e no qual colaborei, recordo as primeiras marchas do orgulho LGBT de Lisboa, então com muito pouca gente, os primeiros arraiais no Príncipe Real, a emoção das aprovações legais e mesmo lá fora, quando fui a primeira vez a Amesterdão ainda não havia bares gays, apenas organizações como o COC que nas noites de sábado organizavam convívios musicais, a excitação de ter conhecido o “Heavens” de Londres e o “Palace” de Paris, assisti a “Prides” gigantescos em Madrid e em Londres, enfim hoje sinto orgulho de ser gay, sim, mas principalmente de ter de alguma forma contribuído para este “Pride” que muito legitimamente se continua a comemorar, sob o símbolo da bandeira do arco-íris.
Daí, as lágrimas que verti hoje e que compartilhei com outras pessoas, não é verdade, Anabela?
Entretanto também durante a tarde assisti à primeira sessão de curtas-metragens, em que passaram cinco, sendo que gostei muito de três – a japonesa “Old Narcissus”, a suíça “Tendresse” e a brasileira “Negritude”.
Para amanhã chamo a atenção para o documentário “Making Montgomery Clift” e ainda de um outro documentário “One Taxi Ride”, além da segunda sessão de curtas metragens.
Do filme da noite falarei num texto à parte…