Quinta-feira, 15 de Junho de 2006 - Estrasburgo Edição provisória
Escalada de actos de violência de índole racista e homófoba na Europa
P6_TA-PROV(2006)0273 B6-0330, 0331, 0332 e 0333/2006
O Parlamento Europeu ,
– Tendo em conta os instrumentos internacionais no domínio dos direitos do Homem que proíbem a discriminação com base na origem racial e étnica e, nomeadamente, a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e a Convenção Europeia para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais (CEDH), de que são signatários todos os Estados-Membros e grande número de países terceiros,
– Tendo em conta os artigos 2.°, 6.º, 7.º e 29.º do Tratado da União Europeia e o artigo 13.° do Tratado CE, que obrigam a UE e os seus Estados-Membros a respeitar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais e proporcionam meios a nível europeu para lutar contra o racismo, a xenofobia e a discriminação,
– Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, especialmente o seu artigo 21.°,
– Tendo em conta as actividades desenvolvidas pela União Europeia tendo em vista combater o racismo, a xenofobia, o anti-semitismo e a homofobia e, nomeadamente, as directivas anti-discriminação, como sejam a Directiva 2000/43/CE que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção da origem racial ou étnica(1) e a Directiva 2000/78/CE que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional(2) , bem como a proposta de decisão-quadro relativa ao combate do racismo e da xenofobia(3) ,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre racismo, xenofobia, anti-semitismo, homofobia, protecção de minorias, políticas anti-discriminação e a situação dos Roma na UE,
– Tendo em conta nº 4 do artigo 103º do seu Regimento,
A. Considerando que o racismo, a xenofobia, o anti-semitismo, a homofobia e a romafobia se inspiram em razões de ordem irracional e se encontram, por vezes, associados à marginalização e à exclusão sociais, ao desemprego, bem como à não aceitação da diversidade existente nas nossas sociedades enquanto forma de enriquecimento,
B. Considerando que vários Estados-Membros foram palco de incidentes violentos e/ou mortes causadas pelo ódio de índole racista, xenófoba e anti-semita, e que outras formas directas e indirectas de racismo, xenofobia, anti-semitismo e homofobia persistem no interior e no exterior da UE,
C. Considerando que as autoridades russas proibiram a marcha pela igualdade e pela tolerância em favor da comunidade de lésbicas, "gays", bissexuais e transsexuais (LGBT) agendada para 27 de Maio de 2006 em Moscovo, em violação do direito à realização de manifestações pacíficas garantido pela CEDH, tendo as autoridades políticas e religiosas denegrido membros desta comunidade, incitado e participado nos actos de violência que ocorreram subsequentemente,
D. Considerando que incumbe às personalidades políticas a nível europeu, nacional e regional a responsabilidade de darem um bom exemplo promovendo a tolerância, a compreensão, o respeito e a coexistência pacífica;
E. Considerando que alguns partidos políticos, incluindo partidos do governo de vários países ou bem representados a nível local, incluíram deliberadamente entre os principais temas dos seus programas a intolerância racial, étnica, nacional, religiosa e homossexual, permitindo assim a dirigentes políticos empregar uma linguagem que incita ao ódio racial e a outras formas de ódio e alimenta o extremismo na sociedade,
F. Considerando que um membro de um partido representado no governo polaco apelou abertamente à violência de índole homófoba em relação aos planos de realização de uma marcha pelos direitos dos homossexuais em Varsóvia,
G. Considerando que os Estados-Membros previram diferentes medidas contra os partidos políticos que promovem programas e actividades contrários aos valores garantidos pela CEDH, nomeadamente a supressão do financiamento público,
H. Considerando que, durante jogos de futebol, ocorreram actos de racismo intoleráveis e graves e que se receia que eventos similares possam ocorrer durante o actual Campeonato do Mundo de Futebol,
I. Considerando que a educação, nomeadamente a nível do ensino primário, constitui um factor essencial para uma "política a montante" de combate a atitudes e preconceitos racistas numa fase posterior da vida e que os responsáveis políticos deveriam prestar a devida atenção às vantagens de uma boa convivência social e étnica no ensino público primário,
J. Considerando que os órgãos de comunicação social desempenham um papel importante na forma como a opinião pública percepciona a violência de índole racista, os quais, em alguns Estados-Membros, têm tendência para se socorrerem de descrições simplistas e tendenciosas da violência, tendo, por conseguinte, co-responsabilidade em matéria de informação deficiente sobre racismo e xenofobia,
K. Considerando que a existência de um vasto número de sítios Internet, enquanto principal fonte de informação de grupos racistas e de grupos que incitam ao ódio, suscita preocupações sobre a forma de contrariar esta tendência sem violar a liberdade de expressão,
L. Considerando que os sistemas policial e judicial dos Estados-Membros desempenham um papel crucial na repressão e prevenção de actos de violência de índole racista, embora, por vezes, sejam incapazes de proteger os cidadãos contra tais actos e de dissuadir os extremistas de cometer esse tipo de crimes, e que, por isso, os Estados Membros deveriam verificar se as suas forças policiais e os seus sistemas judiciais padecem de "racismo institucional"; considerando que, nalguns países, a violência policial visa especificamente as minorias étnicas, raciais e sexuais e viola abertamente o seu direito à liberdade de reunião,
M. Considerando não existirem dados estatísticos sobre racismo, xenofobia, anti-semitismo e homofobia nos Estados-Membros, nomeadamente sobre actos de violência e de discriminação relacionados com estes fenómenos,
N. Considerando que, após cinco anos de negociações, o Conselho ainda não adoptou a proposta da Comissão de decisão-quadro relativa à luta contra o racismo e a xenofobia, o que levou a Comissão a ameaçar retirar tal proposta, e que este instrumento seria útil para reprimir e punir os autores de crimes motivados pelo ódio racial,
O. Considerando que a quatro Estados-Membros – Alemanha, Luxemburgo, Áustria e Finlândia – foram movidas acções perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) por incumprimento das obrigações previstas na Directiva 2000/43/CE,
1. Lamenta que o Conselho não tenha aprovado a proposta de decisão-quadro acima referida, e solicita à futura Presidência finlandesa do Conselho que relance urgentemente os trabalhos nesta matéria e ao Conselho que chegue a acordo no sentido de tornar essa decisão-quadro extensiva a actos homófobos, anti-semitas, islamófobos e quaisquer outros motivados pela fobia ou pelo ódio racial em razão da origem étnica ou racial, da orientação sexual, da religião ou por outras razões irracionais; solicita aos Estados-Membros que reforcem as medidas penais, com vista à aproximação das sanções para este tipo crimes na UE; exorta todos os Estados-Membros a darem eficaz aplicação às directivas anti-discriminação e insta a Comissão a mover acções perante o Tribunal de Justiça contra os Estados-Membros que não o façam, bem como a propor, antes dos meados de 2007, propostas de novos instrumentos legislativos que integrem todas as razões de discriminação enunciadas no artigo 13º do Tratado CE com o mesmo âmbito de aplicação que a Directiva 2000/43/CE;
2. Condena firmemente todos os ataques de natureza racista e motivados pelo ódio e insta todas as autoridades nacionais a fazerem tudo o que possam para punir os responsáveis e para combater a impunidade no que diz respeito a esses ataques; manifesta a sua solidariedade para com todas as vítimas de tais ataques e para com as suas famílias, nomeadamente:
- o assassínio premeditado de uma mulher negra de nacionalidade maliana e de uma criança belga da qual era ama, perpetrado em Antuérpia, em 12 de Maio do presente ano, por um jovem belga simpatizante da extrema-direita, o qual havia, momentos antes, ferido gravemente uma mulher de origem turca na tentativa de a matar;
- o homicídio de um jovem de 16 anwem Abril de 2006, em Bruxelas, e exprime a sua indignação com a cobertura destes crimes efectuada por alguns órgãos de comunicação social, que, em certas ocasiões, levaram à criminalização injustificada de comunidades inteiras por parte da opinião pública;
- o rapto, tortura e assassínio de Ilan Halimi, no passado mês de Fevereiro, em França, por um "gang" de 22 pessoas de diferentes origens e expressa a sua particular preocupação face à dimensão anti-semita deste crime;
- o homicídio de Chaïb Zehaf, perpetrado em Março passado, em França, devido à sua origem étnica;
- o brutal ataque de que foi alvo um cidadão alemão de origem etíope, Kevin K., na aldeia de Poemmelte na Saxónia-Anhalt, em 9 de Janeiro de 2006, atendendo sobretudo à sua motivação racista;
- a tortura e o homicídio terríveis de Gisberta, um transsexual que vivia na cidade portuguesa do Porto, cometidos em Fevereiro de 2006 por um grupo de adolescentes e pré-adolescentes menores;
- o ataque perpetrado contra Michael Schudrich, Grande rabino da Polónia, que teve lugar em Varsóvia, bem como as declarações de um destacado membro da Liga das Famílias Polacas incitando à violência contra a comunidade LGBT no contexto da marcha em prol da tolerância e da igualdade;
- a agressão de que foi vítima em 8 de Abril de 2006 Fernando Ujiguilete, português de origem guineense, na localidade de Castellar del Vallès, Espanha; devido a esta agressão, de índole racista, Fernando Ujiguilete esteve internado vários dias num hospital;
- o aumento das agressões e das palavras de ordem e cânticos de índole racista que ocorrem nos estádios de futebol por parte de simpatizantes da ideologia neonazi;
3. Regozija-se com as manifestações em massa organizadas em Antuérpia e em Paris para expressar o repúdio popular relativamente a estes acontecimentos e o apoio público na luta contra o racismo, a xenofobia e o anti-semitismo, às quais afluíram milhares de pessoas; regozija-se igualmente com a realização de manifestações em prol da tolerância na Polónia e com o caloroso acolhimento dado à marcha "Orgulho Gay" realizada em 2006, em Varsóvia;
4. Manifesta a sua viva preocupação face a um crescimento generalizado da intolerância de índole racista, xenófoba, anti-semita e homófoba na Polónia, alimentada também por tribunas religiosas, como é o caso da rádio Maryja, criticada igualmente pelo Vaticano devido ao seu discurso anti-semita; entende que a UE deveria promover as medidas apropriadas para expressar a sua preocupação e, nomeadamente, para abordar a questão da participação no governo da Liga das Famílias Polacas e do Partido da Autodefesa, cujos líderes incitam ao ódio e à violência; recorda à Polónia os seus compromissos e obrigações nos termos dos Tratados da UE, nomeadamente o disposto no artigo 6º, e as eventuais sanções em caso de não observância; exorta o governo polaco a reconsiderar, neste contexto, a abolição do organismo para a igualdade de oportunidades; solicita ao Observatório do Racismo e da Xenofobia que realize um inquérito sobre o clima emergente de intolerância racial, xenófoba e homófoba na Polónia e exorta a Comissão a verificar se as acções e declarações do Ministro da Educação da Polónia são conformes ao disposto no artigo 6º do Tratado UE;
5. Condena veementemente a decisão das autoridades russas de proibir a primeira marcha "Orgulho Gay" em Moscovo, em 27 de Maio de 2006, bem como a sua incapacidade para assegurar a segurança de manifestantes pacíficos e de activistas dos direitos humanos e recorda às autoridades russas que a liberdade de reunião constitui um direito humano fundamental consagrado no artigo 31º da Constituição da Federação Russa; manifesta a sua profunda preocupação face ao papel que políticos e organizações religiosas da Rússia têm desempenhado no incitamento à violência e ao ódio relativamente a pessoas LGBT; espera que situações semelhantes não se repitam no futuro e exorta as autoridades russas a autorizarem a realização da marcha do "Orgulho Gay" em 2007 e a velarem pela segurança dos participantes;
6. Manifesta o seu profundo desapontamento pelo facto de os líderes da UE não terem levantado a questão por ocasião da Cimeira UE-Rússia que teve lugar em 18 de Maio;
7. Manifesta igualmente o seu desapontamento pelo facto de, no encontro que reuniu o Presidente Barroso, os Comissários Frattini e Spidla e os líderes religiosos da Europa em 30 de Maio de 2006, não ter sido condenada a participação activa de padres ortodoxos russos na violenta marcha anti-gay e neonazi que teve lugar em Moscovo, em 27 de Maio de 2006;
8. Manifesta a sua perplexidade e apreensão relativamente à reacção do Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa relativamente aos incidentes ocorridos em Moscovo, ao felicitar a Rússia pelos resultados obtidos a nível da situação dos direitos humanos nesse país, em vez de condenar a violação de direitos humanos fundamentais ocorrida em 27 de Maio de 2006;
9. Exorta os representantes da UE na próxima Cimeira G8 a levantarem a questão dos direitos humanos junto das autoridades russas com carácter de urgência, nomeadamente o direito de realização de manifestações pacíficas;
10. Exorta as instituições da União Europeia, os Estados-Membros e todos os partidos políticos democráticos europeus a condenarem todos os actos de intolerância e incitamento ao ódio racial, bem como todos os actos de assédio ou violência de natureza racista,
11. Lamenta que, em vários Estados-Membros, se assista a um apoio crescente a grupos e partidos extremistas com um programa claramente xenófobo, racista, anti-semita e homófobo, alguns dos quais acederam recentemente ao parlamento na Polónia e realça a necessidade de abordar as raízes deste fenómeno, como sejam a marginalização, a exclusão social e o desemprego;
12. Insta veementemente todos os Estados-Membros a preverem, pelo menos, a possibilidade de retirar o financiamento público aos partidos políticos que não respeitem os direitos humanos e as liberdades fundamentais, os princípios democráticos e o Estado de Direito tal como consagrados na CEDH e na Carta dos Direitos Fundamentais, exortando os Estados-Membros que já dispõem desta possibilidade a aplicá-la sem demora;
13. Solicita aos Estados-Membros que lancem campanhas e projectos a todos os níveis e em todos os sectores, nomeadamente nos meios de comunicação social e nas escolas, a fim de promover a diversidade cultural como forma de riqueza e dinamismo económico, a igualdade dos géneros, a luta contra a discriminação, a tolerância, o diálogo e a integração, por exemplo no âmbito do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos (2007) e do Ano Europeu do Diálogo Intercultural (2008);
14. Solicita aos Estados-Membros que concedam a devida atenção à luta contra o racismo, o sexismo, a xenofobia e a homofobia, tanto nas suas relações mútuas como nas relações bilaterais com países terceiros;
15. Exorta a Comissão a continuar a desenvolver uma política de luta contra a discriminação paralelamente à nova política de integração; considera que, para haver igualdade, é necessário conceder a devida atenção a medidas com vista à integração e a outras medidas não legislativas, como a promoção da interacção e da participação;
16. Realça a necessidade de apoiar iniciativas anti-racismo e anti-xenofobia na perspectiva do actual Campeonato do Mundo de Futebol que se realiza na Alemanha e exorta as autoridades que controlem com vigilância a situação e instaurem processos e condenem todos os responsáveis por actos racistas;
17. Recorda a necessidade de dispor de definições e estatísticas fiáveis e claras em matéria de racismo e xenofobia, nomeadamente sobre actos de violência de índole racista e xenófoba, como forma de combater eficazmente estes fenómenos, tal como já destacado no relatório anual do OERX de 2005, na qual se destaca a inexistência de registos estatísticos relativos a violência de índole racista, nomeadamente em Itália, Portugal e Grécia;
18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos dos Estados-Membros, ao Conselho da Europa e ao governo da Federação Russa.
(1) JO L 180 de 19.7.2000, p. 22.
(2) JO L 303 de 2.12.2000, p. 16.
(3) JO C 75 E de 26.3.2002, p. 269.
Parlamento Europeu