Jornal de Notícias
Quarta, 4 de Agosto de 2006

http://jn.sapo.pt/2006/08/04/preto_no_branco/uma_justica_respostas.html

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Uma Justiça sem respostas

ARTIGO DE OPINIÃO

David Pontes, Director adjunto

A Justiça tem como fim a aplicação das leis para solucionar litígios, julgar causas ou atribuir sanções. É esta a primeira noção que temos da utilidade dos tribunais, mas não é a única. Também esperamos que eles nos ajudem, de alguma forma, a compreender o que sucedeu em situações-limite e não só "como", mas também "porquê". O tribunal ajuda a sociedade, através da sua análise dos casos, a compreender as suas disfunções e anomalias, para além de punir ou tentar ressocializar os incumpridores. Era isto que esperávamos do tribunal no caso Gisberta. Não uma resposta final, mas, apesar de tudo, uma ajuda para compreender o que terá levado um grupo de jovens a provocar, aparentemente sem qualquer razão palpável, a morte de Gisberta. Mas o tribunal declarou-se incapaz de encontrar a motivação deste crime e, pior do que isso, aumentou a nossa sensação de absurdo ao considerar que os jovens nem sequer cometeram um homicídio. Segundo os juízes, não se pode dizer que estes jovens "tiveram perfeita consciência de que as lesões que provocaram no ofendido agravaram as suas condições de saúde, ao ponto de terem originado um 'estado de choque', adequado a causar a morte". Uma alegação que, admitamos, se pode aplicar a 90% dos homicídios. O homem que dá uma facada numa rixa também não tem " a perfeita consciência" de que essa facada irá matar, mas sabe que isso pode acontecer. Os jovens atiraram pedradas, deram pontapés, pauladas, a um copro frágil, debilitado pela doença, e não tinham a noção de que lhe podiam "causar a morte"? Um absurdo. Tanto tinham consciência da gravidade dos seus actos que, segundo o tribunal, até lhe fizeram um "funeral" atirando-o para o poço. E, durante o tempo de agonia de Gisberta, nenhum dos 13 levantou um dedo para lhe providenciar socorro. Sim, como o JN tão bem relatou, os jovens são vítimas do abandono familiar e social e da negligência das instituições tuteladas pelo Estado. Mas, acreditem, nada ganharão com as atitudes desculpabilizantes deste tribunal. Basta ver o gesto que alguns deles fizeram à saída para ver como sentiram a condenção do tribunal.