A Opus Gay contactou recentemente a Ministra da Justiça Celeste Cardona para exigir que seja revogado o artº 175º e alterado consequentemente o artº 174º do Código Penal Português, visto consagrarem um regime punitivo discriminatório dos homossexuais face aos heterossexuais, nas práticas sexuais em idade mínima de consentimento sexual. Foram também solicitados os bons ofícios do Provedor de Justiça e do Procurador Geral da República.
E isto é assim porquanto a simples prática, por um maior, de actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos (ou o levar a que esse adolescente pratique tais actos com outrem) acarreta, por si só, para o agente, uma pena de prisão até dois anos ou uma multa até 240 dias; mas já quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral (mas não outros actos sexuais de relevo) com menor entre 14 e 16 anos do sexo oposto só será punido se o fizer abusando da inexperiência do adolescente (e até poderá levar a que o mesmo adolescente pratique tais actos com outrem que aparentemente não será responsabilizado criminalmente por tal facto, como sucederia se se tratasse de um caso subsumível ao artigo 175.º, embora sem prejuízo, claro, das normas que punem o lenocínio: artigo 176.º do Código Penal)
Esta legislação é por nós considerada anti-constitucional e, por vários orgãos e entidades internacionais (Parlamento Europeu, Tribunal de Europeu dos Direitos do Homem, Conselho da Europa, Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas), como um atentado aos Direitos Humanos dos homossexuais.
Estes relatórios constituem uma vergonha para Portugal, sendo o nosso país o único país da UE, para além da Áustria, onde tais discriminações se mantém. Mesmo os países candidatos ao Alargamento foram forçados a alterar toda a sua legislação discriminatória, o que fizeram, para poderem negociar a sua adesão com um registo louvável ao nível dos Direitos Humanos.
O Parlamento Europeu incluirá novamente este ano, segundo sabemos, no seu Relatório sobre Direitos Humanos Fundamentias na UE, Portugal nos países que vergonhosamente mantém esta discriminação. Também Peter Schieder, presidente da assembleia parlamentar do Conselho da Europa se referiu a esta vergonha quando nos visitou recentemente, por ocasião da 24ª Conferência Anual da Ilga Europe, e pronunciar-se-á novamente, junto das entidades competentes, a nosso pedido.
A Opus Gay considera que já é tempo de mudar também em Portugal, assim os nossos políticos ultrapassem a sua homofobia provinciana e resolvam duma vez colocar Portugal ao nível dos restantes países da UE, acabando de vez com esta vergonha.
Segue-se a explicação legal, a conclusão principal, e as exigências em consequência. Segue por fim, também, uma listagem das entidades internacionais que se pronunciaram contra esta discriminação, e quando.
Explicação legal: Ao contrário do que uma análise menos atenta poderia sugerir, Portugal inclui-se, precisamente, entre o grupo cada vez mais pequeno de países que regulam penalmente de modo diverso os contactos heterossexuais e homossexuais. Isso acontece, no entanto, não pela fixação de uma idade (mínima) de consentimento para a prática de relações homossexuais diferente da prevista para as correspondentes relações de natureza heterossexual (formalmente elas são idênticas), ou pela definição de penas diversas para a violação das normas legais que estabelecem tais idades [em que também se não verifica (nos nossos dias, e ao contrário do que sucedeu num passado não muito remoto) qualquer discrepância], mas antes por força de um regime punitivo discriminatório que acaba por restringir de forma significativa a liberdade que é reconhecida aos adolescentes para se envolverem em contactos de natureza sexual com pessoas do seu próprio sexo. Assim, de acordo com o artigo 174.º do Código Penal (que criminaliza, de acordo com a sua epígrafe, a prática de «actos sexuais com adolescentes»), «[q]uem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias»; mas já segundo o artigo 175.º do mesmo diploma legal (que tem a epígrafe «actos homossexuais com adolescentes»), «[q]uem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias». Do simples cotejo do recorte típico das incriminações em apreço verifica-se, sem grande dificuldade, que mau grado os esforços que (de alguma maneira a contragosto, como se verá) foram feitos, aquando da última grande reforma do Código Penal (que viria a ser aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março), para esbater as diferenças de tratamento entre os contactos sexuais de natureza heterossexual e homossexual, a norma do artigo 175.º deste diploma continua a constituir um foco de discriminação para os adolescentes homossexuais, ao impor-lhes uma idade mais tardia para o início da sua vida sexual com pessoas de maior idade do que a imposta, correspondentemente, aos adolescentes heterossexuais.
Conclusão central: E isto é assim porquanto a simples prática, por um maior, de actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos (ou o levar a que esse adolescente pratique tais actos com outrem) acarreta, por si só, para o agente, uma pena de prisão até dois anos ou uma multa até 240 dias; mas já quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral (mas não outros actos sexuais de relevo) com menor entre 14 e 16 anos do sexo oposto só será punido se o fizer abusando da inexperiência do adolescente (e até poderá levar a que o mesmo adolescente pratique tais actos com outrem que aparentemente não será responsabilizado criminalmente por tal facto, como sucederia se se tratasse de um caso subsumível ao artigo 175.º, embora sem prejuízo, claro, das normas que punem o lenocínio: artigo 176.º do Código Penal).
Exigências: Em nossa opinião, esta situação constitui um flagrante exemplo de discriminação fundada na orientação sexual e deve, por isso, ser rapidamente alterada: para além de injusta em si mesma, esta diferença de tratamento constitui uma violação de princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP), o que justifica (impõe) a imediata revogação do artigo 175.º do Código Penal, com a consequente alteração ao artigo 174.º do mesmo corpo de normas de modo a concentrar aí, de forma unitária e igual, a protecção dos adolescentes entre os 14 e os 16 anos contra actos potencialmente violadores da sua liberdade e autodeterminação sexuais.
Entidades internacionais que se pronunciaram contra esta discriminação, e quando:
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, notando que os homossexuais «continua[va]m a ser sujeitos a discriminação e mesmo, por vezes, a opressão» (que em alguns casos não hesitou em classificar como reminiscência de «vários séculos de preconceito»), e que uma dessas formas de discriminação consistia, precisamente, na criminalização dos actos homossexuais consensuais entre pessoas adultas, recomendou, logo em 1981, ao Comité de Ministros, que exortasse os Estados- Membros a revogarem a legislação que, nos seus respectivos ordenamentos jurídicos, criminalizasse os actos homossexuais entre adultos e a fixarem a mesma idade (mínima) para anuência à prática de actos homossexuais e heterossexuais.
Por seu turno, também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, desde o seu acórdão no caso Dudgeon v. United Kingdom, de 22 de Outubro de 1981, adoptou idêntica posição relativamente à criminalização das relações homossexuais consensuais entre adultos, e em privado, que considerou, em geral, contrária ao artigo 8.º da Convenção (que consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar)-; uma conclusão que reafirmou nas decisões que proferiu, posteriormente, nos casos Norris v. Ireland (de 26 de Outubro de 1988), Modinos v. Cyprus (de 22 de Abril de 1993, onde se limitou, aliás, a invocar a jurisprudência seguida nos dois casos anteriores de forma sumária) e A. D. T. v. the United Kingdom (de 31 de Julho de 2000).
Idêntico entendimento foi adoptado pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, que, invocando igualmente o princípio do respeito pela vida privada, considerou, na sua decisão no caso Toonen v. Australia (de 31 de Março de 1994), que a legislação do estado australiano da Tasmânia que criminalizava as relações homossexuais entre adultos violava o artigo 17.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de que, aliás, Portugal também é signatário.
A partir de meados da década de 90 do século passado, o Parlamento Europeu adoptou a mesma posição em matéria de discriminação fundada na orientação sexual, que tem vindo a plasmar em diversas resoluções sobre a situação das minorias sexuais nos Estados-Membros da União Europeia (UE) nas quais se condena igualmente a criminalização discriminatória das relações homossexuais e se exorta, por via de regra, à sua imediata revogação.
Na actividade deste órgão parlamentar destaca-se, pelo seu carácter pioneiro em matéria de defesa dos direitos das minorias sexuais, a Resolução sobre a igualdade de direitos dos homens e mulheres homossexuais na Comunidade Europeia, de 1994, que o Parlamento reiterou em 1998, com a sua Resolução sobre a igualdade de direitos dos homens e mulheres homossexuais na União Europeia. Para além disso, o Parlamento Europeu tem, na sequência da apreciação dos seus relatórios anuais sobre a situação dos direitos fundamentais na União Europeia, aprovado resoluções onde se pronuncia invariavelmente pela necessidade de serem respeitados os direitos dos homossexuais. Finalmente, e já neste ano, a propósito do estado das negociações relativas ao alargamento da União, o Parlamento voltou a apelar a todos os países candidatos à adesão para que revoguem toda a legislação discriminatória para os homossexuais.