Perguntas para Uma Legislatura
Domingo, 06 de Fevereiro de 2005
por São José Almeida
Jornal Público
http://jornal.publico.pt/publico/2005/02/06/Nacional/P60.html
Partidos com abertura para aumentar direitos de lésbicas e homossexuais
Em véspera de eleições para a Assembleia da República o PÚBLICO seleccionou sete temas que tudo indica estarão em cima da mesa do debate político na próxima legislatura ou que foram suscitados ao longo dos últimos anos de governação.. Sobre eles foi ouvir os líderes dos cinco partidos com assento parlamentar em entrevistas presenciais.
A 23 de Abril de 2004, a Assembleia da República aprovou uma revisão da Constituição em que uma das alterações introduzidas foi o reconhecimento do direito de não discriminação por orientação sexual. No ponto 2 do artigo 13º sob o título de "Princípio da igualdade" onde se lia "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social" foi acrescentada a "orientação sexual".
Defendida desde a revisão de 1992 pelo Partido Ecologista "Os Verdes", esta alteração surgiu, desta vez, de forma pacífica e consensual, até porque ela é imposta por orientações legislativas da União Europeia. A aprovação deste artigo veio tornar transparente a igualdade perante a lei e os direitos que os Estado garante às lésbicas e aos homossexuais.
Mas a lei portuguesa reconhecia, já desde 1999, as uniões de facto e nestas, direitos sociais, como pensões de alimentos e sobrevivência, assim com o direito à herdar contratos de arrendamento. Mas os casais de lésbicas e de homossexuais não têm direito a herdar, uma vez que a herança está associada, na lei portuguesa, à família e ao casamento.
Outro direito que os movimentos lésbicos e homossexuais têm reivindicado, e que foi já defendido ao nível dos partidos pelo BE, é o direito à adopção. O reconhecimento do direito à adopção por casais de lésbicas ou de homossexuais foi, aliás, já este ano, assumido pelo Governo espanhol, numa lei que oficializa também em Espanha os casamentos de lésbicas ou de homossexuais
Perguntas:
Acha que é necessário instituir o casamento de homossexuais e de lésbicas? Defende o reconhecimento dos direitos de herança mesmo entre uniões de facto homossexuais e lésbicas? Admite reconhecer o direito à adopção por casais homossexuais e lésbicos?
Pedro Santana Lopes, presidente do PSD
Matéria muito complicada
Reconhecer o casamento, não. A legislação portuguesa reconhece a união de facto, concede alguns direitos, ainda tímidos. É a posição correcta, estou de acordo com a legislação que existe, quanto ao casamento, não são matérias em que goste muito de esgrimir preconceitos. Penso que as uniões de facto são uma posição razoável, equilibrada, entre a tolerância e o respeito pela diversidade das pessoas. Foi um passo importante. Agora o casamento não tenciono propô-lo. Já há algum reconhecimento de direitos, há pensão de alimentos e direito à habitação. Penso que em matéria de herança pode haver algum aprofundamento dos direitos resultantes das uniões de facto hetero ou homossexuais. É admissível e compreensível a vontade de aprofundar direitos nessa matéria. Quanto à adopção não faço tenção de a propor, se alguém propuser que o faça. É uma questão em que gostaria de exprimir a minha reserva, a minha prudência, são decisões muito, muito difíceis. Há aqui muitos valores em contradição: obviamente a nossa formação, a estrutura da sociedade não aponta nesse sentido, a formação das crianças e a sua integração dentro da sociedade são esquemas resultantes de princípios e valores em que somos formados. Não excluo, obviamente, a capacidade de dar carinho e apoio, de educar e de formar por parte de qualquer pessoa homo ou heterossexual, bem como a necessidade de muitas crianças terem uma família onde serem integradas e onde crescerem. Mas a integração das crianças criadas por casais homossexuais no seu meio social e na sua escola é uma matéria muito complicada.
José Sócrates, secretário-geral do PS
Não há consenso social
O nosso programa não prevê nada sobre isso. Eu tenho uma posição muito liberal em matéria de costumes. Mas acho também que as sociedades não devem enveredar por caminhos de experimentalismo social. Ninguém na nossa sociedade reclama isso de uma forma significativa, acho que não há um consenso social para se avançar. Portanto, estou convencido que isso é uma matéria que tenha premência e uma dimensão e uma colocação na agenda política que justifique uma proposta política. Vamos fazer a regulamentação das uniões de facto de forma a que a lei possa cumprir a as finalidades sociais e admitimos considerar essa questão, nesse momento. Não é nada que não possa ser defendido. Em relação à adopção, nós temos de ser mais prudentes, a verdade é que não está em jogo apenas os direitos das pessoas, mas stambém os direitos das crianças. Não propomos nenhum avanço sem que isso se baseie num estudo e num consenso social e numa certeza que permita poder avançar.
Paulo Portas, presidente do CDS
Abertura para alterações nas heranças
Não vejo nenhuma pressão social para que isso aconteça. A Maria José Nogueira Pinto tinha uma expressão que eu gosto muito: o Estado não deve olhar pelo buraco da fechadura. A primeira coisa que eu acho relevante é o respeito pelo comportamento das pessoas. O segundo, não acho que as sociedades se dividam por categorias de orientações pessoais. O cidadão é muito mais do que a sua orientação pessoal e uma nação é muito mais que uma federação de grupos sociais. Há legislação portuguesa sobre uniões de facto, não se pode sempre andar a dar saltos do ponto de vista legislativo. Não há sequer nenhum estudo sobre os resultados da legislação. Uma coisa é o respeito pelos comportamentos individuais que é sagrado, outra coisa é não compreender que o casamento tem, na nossa ordem jurídica, um sentido social e um sentido jurídico. Pessoalmente, acho que - preservando a sobriedade e o juízo das pessoas - quem deixa a herança deve ter maior liberdade de disposição pessoal do que actualmente a tradição jurídica portuguesa permite. Agora isto não se aplica só a uma orientação sexual. Quanto à adopção, então aí acho que se está muito longe de ter qualquer consenso na comunidade médica, sendo que o epicentro é a criança.
Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP
É tempo de "passos mais audaciosos"
Deveria haver uma grande disponibilidade de abertura da discussão deste problema, sem tabus, nem preconceitos. Denunciamos e não aceitamos quaisquer discriminações, nas várias esferas da vida, por razões de orientação sexual. É uma questão de foro privado, dos afectos, na qual ninguém deve interferir. Sentimos a necessidade de serem dados passos sólidos no sentido de ser construída uma sociedade sem descriminações, no que diz respeito à educação sexual, sem falsos moralismos, por uma sexualidade assumida, feliz e saudável. É fundamental dar espaço aos próprios movimentos, que têm lutado em torno destas causas, para que a sua opinião conte para um debate mais alargado na sociedade. A partir dos movimentos, com acolhimento na sociedade e não de medidas legislativas apressadas. É um tempo de avanço, de discussão, de envolvimento dos movimentos. Em relação à herança não temos nenhuma orientação, inserimo-la nesta perspectiva de não estarmos fechados. Admito discutir com outras forças políticas. Quanto à adopção, digo o mesmo. Temos de tratar este assunto com seriedade, sensibilidade e nenhum preconceito. A evolução tende para a aceitação dessa realidade, mas que não sejam medidas de supetão, que, depois, criem clivagens, que acabam por não beneficiar ninguém. Todos os interesses em presença devem estar em cima da mesa. É um processo, mas, insisto, os passos dados até aqui justificam passos mais audaciosos.
Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda
A favor do casamento e da adopção
No programa, defendemos a aplicação do artigo 13º da Constituição, acabar com a discriminação por orientação sexual e permitir uma forma de registo das uniões de facto. São reconhecidas e bem - aliás não provocou nenhum drama na sociedade portuguesa -, mas as formas de registo e de identificação como casal não estão regulamentadas. Sempre defendemos que a união de facto deve ser equiparada ao casamento, para todos esses efeitos de direitos, incluindo o direito de herança. Nós somos a favor do casamento. Pensamos que o passo que tem que ser dado já é complementar a lei das uniões de facto, em relação a direitos, e garantir o registo. E, no futuro, o casamento. Quanto à adopção, o princípio determinante tem de ser o princípio do direito do adoptando e não do adoptante. Tem de se encontrar critérios de selecção das pessoas que vão adoptar com muito rigor e esses critérios devem aplicar-se a casais homossexuais e a heterossexuais.