Eleições: Respostas a Santana Lopes
Segunda, 31 de Janeiro de 2005
Associação ILGA Portugal
http://www.ilga-portugal.oninet.pt/noticias/20050130.htm
Em resposta ao repto de Pedro Santana Lopes
Carta aberta aos principais líderes partidários
a propósito dos casamentos entre homossexuais
Santana Lopes, num comício em Braga, lançou o repto aos outros partidos quanto à questão do casamento civil para casais de pessoas do mesmo sexo, explicando que “a nossa sociedade tem regras e uma delas é a de que o casamento une pessoas de sexos diferentes».
É um facto que a nossa sociedade tem regras, mas Santana Lopes deveria saber que as regras fundamentais da nossa sociedade estão estipuladas na Constituição da República Portuguesa. Ora, a última revisão constitucional levou a uma alteração do art. 13º (Princípio da Igualdade) da nossa Constituição. Este artigo enumera as razões pelas quais “[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever (...)” e passou agora a incluir a orientação sexual. Esta inclusão, votada por todos os partidos do espectro político com representação parlamentar (incluindo o Partido Social Democrata), implica a necessidade de lutar activamente contra a discriminação baseada na orientação sexual, que continua a existir na sociedade e na própria lei ordinária.
O casamento civil tem sido objecto de muitas mudanças (algumas significativas) ao longo da sua existência. Actualmente, em Portugal, tal como na grande maioria dos países desenvolvidos, o casamento civil é baseado no amor entre duas pessoas que decidem partilhar as suas vidas em pé de igualdade. Os deveres fundamentais do casamento civil estão aliás claros na lei portuguesa: assistência (alimentos e contribuição para os encargos da vida familiar), fidelidade, respeito, cooperação, coabitação. Embora muitos casais de gays e de lésbicas já os cumpram, o acesso ao casamento civil está-lhes ainda vedado.
Considerando os conjuntos de direitos e deveres inerentes, um casal heterossexual pode optar pelo casamento ou pela união de facto – duas figuras jurídicas que, embora baseadas num mesmo modelo de conjugalidade, têm diferentes implicações. Um casal de gays ou de lésbicas não pode optar: tem apenas acesso à união de facto.
Isso significa que um casal de gays ou de lésbicas não pode ter qualquer registo da sua união; não pode também escolher o regime de bens que regulará a sua relação; para além disso, os membros do casal não são herdeiros um do outro nem são co-responsáveis por dívidas contraídas em benefício do casal; até a própria protecção da casa de morada de família em caso de morte de um membro do casal é limitada face à de cônjuges heterossexuais. Mas estes são apenas alguns exemplos do conjunto de direitos e deveres que diferenciam o casamento civil da união de facto – a realidade é que é impossível descrevê-los de forma exaustiva, porque eles incidem sobre inúmeros aspectos da vida quotidiana.
Ora, quando um gay ou uma lésbica não tem acesso ao mesmo regime de protecção da sua relação, o princípio constitucional da Igualdade é violado. Independentemente de possíveis juízos de valor pessoais quanto ao casamento civil enquanto instituição, as consequências desta discriminação são reais e afectam as vidas de muitos casais de gays ou de lésbicas. Pretendemos por isso, e apenas, que casais de gays ou de lésbicas tenham a mesma possibilidade de escolha que os casais heterossexuais já têm quanto ao contrato que definirá e protegerá a sua relação.
O facto de se atribuir o mesmo reconhecimento legal a casais de gays ou de lésbicas não terá qualquer implicação sobre a liberdade de outr@s. Casais heterossexuais continuarão a ter exactamente a mesma liberdade de escolha. Nesta questão, liberdade e igualdade são, afinal, perfeitamente compatíveis.
Daí que as objecções quanto ao casamento civil para gays e lésbicas tenham, afinal, uma só fonte: a homofobia, que remete casais de gays e de lésbicas para um plano inferior, numa República que parece admitir ainda a existência de cidadãs e cidadãos de segunda perante a lei. Num momento em que Espanha põe fim à exclusão de casais de gays ou de lésbicas no acesso ao casamento civil, e em que a sociedade portuguesa mostra também receptividade face a este tema, manter esta exclusão representa uma atitude de complacência face à homofobia que é inaceitável do ponto de vista dos valores democráticos – que são os nossos valores.
Em vez de um aproveitamento eleitoral da homofobia, é, pelo contrário, fundamental combatê-la, garantindo que casais de gays ou de lésbicas que se amam e que se comprometeram a partilhar de forma plena as suas vidas possam ver esse amor e esse compromisso igualmente reconhecidos e valorizados pela sociedade que integram. Pretendemos não o «respeito pela diferença» apregoado por Santana Lopes, mas uma efectiva igualdade de direitos – e, enfim, o direito à indiferença.
E se o acesso ao casamento civil para casais de pessoas do mesmo sexo será uma questão entre várias, também para gays e para lésbicas, a realidade é que esta questão não coloca sequer entraves orçamentais, sendo perfeitamente compatível com diversas opções políticas noutras áreas e sendo absolutamente relevante para a prossecução dos ideais de liberdade e de igualdade que deveriam reger a actuação dos partidos.
Por isso, a Associação ILGA Portugal lança também um repto aos partidos políticos: que, na próxima legislatura, cumpram a Igualdade – e cumpram a Constituição.
30 de Janeiro de 2005
A Direcção e o Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal
Jornal A Capital
http://www.acapital.pt/secciones//noticia.jsp?pIdNoticia=11696&pIdSeccion=4
Associações de defesa dos direitos dos homossexuais desconfiam do timing de Santana Lopes para falar de casamentos entre Gays
«Defesa de valores de direita ou pura chicana política?»
Para a Opus Gay e o Clube Safo, mais importante que discutir de forma leviana os casamentos homossexuais, é a regulamentação efectiva das uniões de facto.
RAQUEL GOMES FREIRE
A legalização dos casamentos homossexuais tem sido tratada de forma leviana pelos partidos políticos, na opinião das associações de defesa dos direitos dos gays, que desconfiam da verdadeira razão que levou Santana Lopes a trazer a público o tema, no decorrer de um comício em Famalicão. Para além da forma convicta com que se opôs aos mesmos, o actual primeiro-ministro exigiu ainda que os restantes cabeças-de-lista se pronunciassem sobre esta matéria.
O porquê do timing do cabeça-de- -lista do PSD para abordar esta matéria não se sabe ao certo, uma vez que «nenhum partido, para além do Bloco de Esquerda, contempla esta proposta nos seus programas eleitorais», disse António Serzedelo, da Opus Gay, em declarações a A Capital, aventando que provavelmente, mais do que a defesa dos valores de direita, Santana Lopes queira «imitar Bush e fazer uma campanha fracturante» ou, de um ponto de vista mais estratégico, «porque pretende “roubar” alguns votos ao CDS nestas áreas».
Apesar de ter garantido no mesmo comício que não iria fazer «aproveitamento ou chicana política com a questão do casamento entre homossexuais», a verdade é que Santana deixou passar exactamente o contrário: também ele começa a entrar na lógica «de uma campanha de eventos e episódios e não uma campanha de temas de fundo», acusa Serzedelo.
Em resposta ao cabeça-de-lista do PSD, José Sócrates disse na altura que este «devia estudar um pouco melhor os programas dos outros partidos», acrescentando que o partido socialista não propunha a adopção de crianças nem o casamento entre casais homossexuais, uma posição que, no entender de Fabíola Cardoso, do Clube Safo, «é lamentável»...