Jornal Público
Sábado, 15 de Janeiro de 2005
http://jornal.publico.pt/publico/2005/01/25/Nacional/P40.html
Francisco Louçã
nacional
Bem-vindas as Críticas
Foi com atenção as críticas que Eduardo Dâmaso e Ana Sá Lopes dirigiram à minha intervenção no debate com do Dr. Paulo Portas. São bem-vindas as críticas, mas creio que partem de uma interpretação errada. Vale a pena, por isso, fazer um esclarecimento.
De facto, indignei-me e continuo a indignar-me quando os defensores da prisão das mulheres que abortaram acusam os defensores do respeito pelas mulheres de atentarem contra o "direito à vida". Por outras palavras, de serem cúmplices de assassinato. A criação da vida é uma responsabilidade e experiência inteiramente pessoal. Ninguém, e provavelmente ainda menos quem a vive, pode tolerar ser tratado com este desprezo infinito da acusação de homicídio pela sua opinião sobre uma lei. A vida não se discute e o que está em causa na política portuguesa é outra questão: é exclusivamente saber se a mulher deve ter o direito de fazer uma escolha sobre a sua maternidade ou se deve ser presa se abortar. Eu continuo do lado da liberdade e o meu adversário não.
Interpretar este debate como uma imposição moralista acerca da bondade de um determinado modelo de família seria surpreendente. Os meus críticos sabem bem que me tenho batido contra todas as tentativas de imposição, por parte do Estado, de qualquer modelo de família estandardizado e que propus e votei no parlamento - contra o PSD e o PP - a lei das uniões de facto. Continuarei sempre a defender esse direito, mesmo sabendo como sofri insinuações e calúnias construídas a partir dos preconceitos ou da surpresa de tal questão de liberdade ser pela primeira vez trazida para a agenda política. Essa lei garante, ao contrário da que estava em vigor, a inclusão de todos, sem qualquer tido de discriminação - e essa é a garantia de respeito que a República deve dar aos seus cidadãos. O resto, a escolha de modo de vida de cada pessoa, é, como sempre foi, estritamente do domínio do privado e não faz parte, em nenhuma circunstância, do debate político.
A diferença entre a posição política da esquerda e a do Dr. Santana Lopes ou do Dr. Paulo Portas, em contrapartida, é do domínio do debate e é decisiva nestas eleições onde se defrontam dois campos: toda a esquerda unida propõe uma lei moderada, nos exactos termos das leis europeias, que termine o ritual de humilhação nos tribunais; a direita unida propõe a manutenção da lei e em consequência da pena de prisão de 3 anos para as prevaricadoras. Mais ainda, o debate de hoje não se trata de um mero remake do passado, porque o argumento do "direito da vida" implica forçosamente que as actuais excepções da lei viessem a ser anuladas se a direita para tal tivesse maioria e muitos dos seus dirigentes já nem o escondem. Essa é claramente a posição de vários candidatos a deputados pelo PP e pelo PSD: a mulher violada que recorra ao aborto deve ser punida nos termos da lei com os mesmos 3 anos de prisão. É ainda notório que deputadas e deputados do PSD comprometidos com um novo referendo e com a descriminalização do aborto foram afastados das listas.
Para não deixar dúvidas, o partido do Dr. Paulo Portas fez campanha nas vésperas da revisão constitucional pelo reconhecimento da "personalidade jurídica do feto". O que implicaria que a moldura penal do crime de aborto passaria de 3 anos para no mínimo 8 anos de prisão e a anulação de todas as excepções da actual lei. Fê-lo com a pouca convicção de quem tem vergonha da sua própria posição, mas não deixou de o fazer, para responder positivamente a quem também defende que mesmo o uso do preservativo é um pecado. Mais uma vez, quem esteve do lado da liberdade foi a esquerda e não o fanatismo da direita.
E esta é a questão de hoje: ou uma posição moderada vence no único país da Europa onde ainda há julgamentos de mulheres por "crime" de aborto, ou o fanatismo intransigente continua. Não sei se o defendi sempre da forma mais esclarecedora, mas os leitores do "Público" que concordem ou que discordem da minha opinião sabem que não tenho outro compromisso que não seja com a liberdade e responsabilidade para a mudança desta lei, a partir da clareza da decisão democrática.
deputado e dirigente do Bloco de Esquerda
Ver também:
Carta Aberta ao Sr. Francisco Louçã por José Manuel Duarte Fernandes [23 Jan 2005]
Comentários recebidos sobre esta página aqui no PortugalGay.PT:
26-01-2005 3:37:34
Como sei k não vão publicar, como aconteceu anteriormente, vou deixar na mesma a minha opnião.
Continuou sem responder à questão de fundo e não admite que haja pessoas, num País democrático, com ideias contrárias à sua.
Dr. Francisco Louçã:
o k acha de só os pais terem direito a ter opinião no respeitante ao aborto? Essa é a kestão e não um texto de marketing político!
Continua a demagogia bloquista...enfim!
anónimo
Outros artigos relativos a este mesmo assunto:
Correio da Manhã
2005-01-25 - 17:00:00
O aborto democrático
No fundo, acho que devemos fazer tudo o que o dr. Louçã nos pede, mesmo porque as respectivas razões revelam certa lógica. Basta que ele dê o exemplo e, na medida em que nunca teve qualquer parentesco com a democracia, desista de concorrer a eleições.
Para já, o momento mais enigmático da campanha aconteceu durante um debate na SIC Notícias. Foi quando o dr. Louçã proibiu Paulo Portas de opinar acerca do aborto, sob o pretexto de que o chefe do PP não tem filhos.
Em si, o facto não mereceria duas linhas. Mas, se a memória não me trai, surgiu por aí no Verão passado um barco holandês, destinado a interromper gravidezes nas costas nacionais e da lei. Se a memória não me finta, parece que não interrompeu nenhuma, embora tenha sido recebido aos pulinhos por bandos de autoproclamados “activistas”.
E, se a memória não me foge, esses pequenos bandos constituem, na sua maioria, as filiais ‘gay’ do Bloco de Esquerda, as quais, todas contentes, aproveitaram a presença do barco para ‘relançar’ o tema do aborto.
A menos que o dr. Louçã não acompanhe as actividades do Bloco (o que seria triste), ou que os membros das associações ‘gay’ mintam sobre as suas preferências sexuais (o que seria trágico), temos um fenómeno em mãos: os homossexuais do BE podem discutir o aborto, logo os homossexuais do BE procriam. Antes de gritarmos milagre, julgo que o dr. Louçã deve uma explicação do fenómeno à comunidade científica. E, já agora, à comunidade ‘gay’ não ‘bloquista’, que se vê aflita com as dificuldades na adopção.
Quanto ao resto, insisto que a frase do dr. Louçã suscitou exageradíssimas reacções. Coitado do homem. À imagem dos seus mentores, ele apenas gostaria de determinar o que podemos, ou não podemos, dizer. Ao contrário dos seus mentores, ele não consegue determinar nada, donde o permanente estado de psicose furiosa em que se encontra. Um dia dá-lhe uma coisinha ruim, e nós a assistir em directo.
Por mim, estou disposto a contribuir para a tranquilidade do dr. Louçã. Como, à semelhança de Paulo Portas, não tenho filhos, prometo não voltar a escrever uma linha sobre o aborto, os infantários ou as papas Blédine. E não me fico por aqui. Como não tenho familiares internados, recuso-me a abordar o Sistema de Saúde. Como jamais entrei num tribunal, não mexo na Justiça. Como não sou marxista, esqueço a Economia. Como não sou revolucionário, não ponho o pé no marxismo. Como sou detentor de pés tortos, abdico de comentar futebol. E até ganhar o Nobel e encher o Scala de Milão, não volto a beliscar livro ou disco.
No fundo, acho que devemos fazer tudo o que o dr. Louçã nos pede, mesmo porque as respectivas razões revelam certa lógica. Basta que ele dê o exemplo e, na medida em que nunca teve qualquer parentesco com a democracia, desista de concorrer a eleições.
Alberto Gonçalves (albertog@netcabo.pt)