Discurso do Presidente da CEP, na abertura dos trabalhos da 153ª Assembleia Plenária
Senhores Arcebispos e Bispos
Senhor Encarregado de Negócios da Santa Sé
Estimados Presidentes da CNIR, FNIRF e FNIS
Senhores Jornalistas
1. Ainda revigorados pelas celebrações pascais, que nos deram a alegria de sentir a Igreja viva, participação na Vida de Jesus Ressuscitado, damos início aos trabalhos de mais uma Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa. Move-nos na reflexão e nas necessárias decisões, o nosso múnus de Pastores da Igreja, que queremos conduzir para a plenitude da graça pascal, fiéis à Palavra de Jesus que nos envia, atentos aos problemas dos homens, conscientes da missão da Igreja no mundo. Queremos fazê-lo em comunhão com a Igreja Universal, unidos a Sua Santidade o Papa, a quem saudamos filialmente.
Saudamos o Senhor Núncio Apostólico, retido em Itália por motivos de saúde, desejando-lhe um rápido e total restabelecimento; e manifestamos a nossa amizade e solicitude ao Senhor Bispo de Viseu, ausente porque ainda convalescente de intervenção cirúrgica delicada. Na nossa oração pediremos a Deus o seu rápido restabelecimento, se essa for a Sua vontade.
2. É a primeira vez que nos reunimos depois da perturbação à paz mundial, provocada pela intervenção militar no Iraque, o que provocou por toda a parte uma onda de manifestações e protestos contra a intervenção militar como caminho para resolver a situação de um regime violento e perturbador da paz.
Vencer a luta pela paz, eis uma meta ideal prosseguida pelos cristãos, desde há dois mil anos, e por todos os homens e mulheres de coração recto, que recusam a guerra como solução dos conflitos. Nestes momentos conturbados e dolorosos, fortalecem-nos nessa luta e na nossa esperança, as palavras de Jesus ressuscitado: a paz esteja convosco! Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz! Não como o mundo vo-la dá! Eis a distinção decisiva, a inspirar todas as lutas da Igreja em favor da paz: os seus caminhos, os seus critérios, não se confundem com os da política, dos interesses ou das simples análises de sistemas e oportunidades.
Agradecemos ao Santo Padre a sua lúcida, corajosa e inquebrável intervenção a favor da paz, sem nunca se intrometer em juízos ou processos políticos acerca de nenhuma das partes envolvidas. A paz é um valor absoluto, ligado ao carácter sagrado da vida humana e à vocação de diálogo e de fraternidade impressos no íntimo de cada ser humano; a paz vale por si, sejam quais forem as circunstâncias históricas das ameaças de guerra e de violência. Escutámos, comovidos, essas corajosas palavras do Papa, e fizemos delas a nossa mensagem às comunidades cristãs de que somos Pastores. Elas motivaram iniciativas de oração e de meditação, inúmeras vezes propostas na dinâmica da vida interna da Igreja.
Mesmo assim algumas vozes, não muitas, mas com a força que lhes dá a mediatização que lhes é oferecida, acusaram a Conferência Episcopal de silêncio grave e cúmplice, na denúncia da guerra, chegando-se a afirmar que deveríamos responder perante a opinião pública, dado o nosso alinhamento com o Governo e uma certa orientação política. Essas afirmações magoaram-nos por virem de quem vieram e por as considerar profundamente injustas, porque inexactas, desconhecendo o âmbito próprio da missão da Igreja, e a intensidade das várias intervenções, nesse âmbito específico.
Todos verificámos que a referida crise internacional provocou alinhamentos políticos e partidários, normais e justificáveis na óptica que lhes é própria, mas que não é, não pode ser a dos Bispos Portugueses. Estamos com o Santo Padre, propondo a paz como valor em si mesma, para além das clivagens e das análises políticas. E agora que a voz dos “media” começa a silenciar-se, relegando a situação do Iraque para o silêncio de todos os dramas humanos, a nossa luta pela paz continua, sob a forma da ajuda fraterna e solidária, de luta pela dignidade da pessoa humana e de justeza das soluções futuras, no respeito pela justiça.
Pelos nossos Estatutos, no intervalo das Assembleias Plenárias, perante a emergência de situações graves como a que referimos, compete ao Conselho Permanente e à Presidência da CEP, decidir da posição e orientação dos Bispos de Portugal. Fizemo-lo com discernimento e sem medo de assumir responsavelmente uma linha orientadora. Mas agora que estamos reunidos, estamos completamente abertos e disponíveis para uma reflexão sobre a orientação que traçámos.
3. Não posso deixar de referir um episódio triste a que assistimos nos últimos dias: dois canais de televisão que deram relevo, no âmbito dos seus noticiários, ao facto de um certo senhor, que se auto-intitula Arcebispo Metropolita de uma igreja ortodoxa portuguesa, ter aceite “abençoar” a união de dois homossexuais. O facto de aparecerem vestidos com o traje eclesiástico, como qualquer de nós, e a ambiguidade dos títulos que usam, geraram confusão e indignação em muitos fiéis.
Quero por isso declarar claramente, aos fiéis católicos e aos portugueses em geral, que essa auto-proclamada igreja ortodoxa de Portugal, não é reconhecida por nenhum dos Patriarcados Ortodoxos com quem estamos em diálogo ecuménico. Lamentamos a ambiguidade com que se apresentam, procurando propositadamente gerar a confusão. Não têm nada a ver, nem com a Igreja Católica, nem com as Igrejas Ortodoxas com quem estamos em diálogo e cuja dignidade, confirmada por uma longa tradição, é também ofendida. A nossa indiscutível abertura ao diálogo ecuménico não passa por aí.
Estamos, em Portugal, em ambiente democrático de liberdade religiosa, confirmada e regulada por Lei. Mas realidades como estas levantam-nos o problema da inevitável relação, na aplicação da Lei, entre liberdade religiosa e qualidade religiosa.
4. Da Agenda dos nossos trabalhos refiro apenas dois pontos, dada a sua relevância para a missão da Igreja na Sociedade:
4.1. O projecto de “Carta Pastoral” sobre moral social. O cristianismo é uma fidelidade, pessoal e comunitária, a Jesus Cristo e à Sua Palavra, inspiradora de uma nova maneira de viver. A essa exigência do Evangelho, chama-se moral cristã. Ela diz respeito à nossa relação com Deus, participando da própria relação filial de Jesus, com Deus Seu Pai, e às exigências para com os outros homens, nossos irmãos, como pessoas e em sociedade. Há exigências sociais no viver moral dos cristãos.
A Igreja, exercendo o seu dever de ensinar, deve lembrá-las continuamente, referindo-as às situações concretas da sociedade em que vivemos. Essa é uma maneira de a Igreja contribuir para o bem da sociedade. A vida democrática é um equilíbrio de direitos respeitados e deveres assumidos, pelo Estado e pelos cidadãos e outras pessoas jurídicas da sociedade civil. A defesa dos direitos estará comprometida quando os deveres de todos e cada um não forem responsavelmente assumidos.
4.2. Considero, igualmente, particularmente significativa, a proposta de criação de uma Comissão Episcopal para a Pastoral da Cultura. A fé deve ter um diálogo permanente com a cultura, sendo esse o melhor caminho para uma evangelização da cultura.
5. Entregamos os nossos trabalhos à protecção de Maria Santíssima, que mais uma vez nos acolhe no seu Santuário, ela a Mãe da Igreja e a Rainha da Paz.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
Fátima, 5 de Maio de 2003