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Política & Direitos

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30 Outubro 2009

Partido Ecologista Os Verdes

PROJECTO DE LEI N.º 24XI

 

CONSAGRA A UNIVERSALIDADE E A IGUALDADE

NO DIREITO AO CASAMENTO

 

Nota Justificativa

 

A redacção do artigo 13º (Princípio da Igualdade) da Constituição da República Portuguesa, fixada na 6ª Revisão Constitucional, consagrando a proibição de discriminação em função da orientação sexual, constituiu um progresso assinalável do nosso ordenamento jurídico e, principalmente, uma vitória da nossa sociedade e da nossa democracia.

 

Não é possível construir uma sociedade plenamente livre, justa e solidária, baseada na dignidade da pessoa humana, quando se exclui uma parte dos seus cidadãos, sem justificação sustentável ou convincente, do pleno e livre exercício e gozo de direitos fundamentais.

 

Da mesma forma, não é possível continuar a negar ou restringir o acesso a um básico direito de natureza pessoal, com a dignidade de direito fundamental e gozando do estatuto especial do artigo 18º (que inclui a aplicabilidade directa), reservado para todos os Direitos, Liberdades e Garantias, principalmente quando não está em causa a salvaguarda do núcleo essencial de outros direitos com a mesma dignidade.

 

O direito ao casamento, previsto no artigo 36º da Lei Fundamental, é um direito fundamental ao qual todos devem ter acesso, em condições de igualdade e de equidade, independentemente da sua ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Constitui, por isso, neste momento, uma imperativo constitucional alterar a lei civil no que diz respeito a eliminar o impedimento expresso existente na redacção do artigo 1577º do Código Civil, ao determinar que o casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente.

 

Sem nos imiscuirmos no entendimento que muitas religiões têm relativamente ao casamento, consagrando-lhe inclusivamente, na maioria, uma cerimónia e estatuto próprios, ou sem interferirmos na forma como é visto e vivido individualmente por cada pessoa, pelo casal, sua família e meio social, a verdade é que o casamento é, no nosso estado laico, antes de mais, um contrato civil, com origem no instituto jurídico do direito romano, do qual decorre, no nosso ordenamento jurídico actual, um conjunto de direitos, deveres e regras próprios que enformam as relações dos cônjuges entre si, com os respectivos familiares e com o próprio Estado.

 

É entendimento de “Os Verdes” que não é legítimo continuar a impedir a constituição de um núcleo ou célula familiar por meio da manifestação livre e esclarecida de um acordo de vontades, no âmbito do casamento, com vista, não só a exercer os direitos e a cumprir os deveres inerentes a esse estatuto, mas também a exercer o legítimo direito de assumir social e publicamente uma relação entre duas pessoas, apenas porque são do mesmo sexo.

 

É sabido que o conceito de família não é imutável, tendo evoluído ao longo dos tempos, não correspondendo de forma alguma a noção de família “típica” do Séc. XX, por exemplo, às várias noções, de diferentes contornos, que ao longo da história este “instituto” social tem vindo a assumir.

 

A ideia tradicional de família é cada vez menos adequada para abarcar os diferentes tipos de família ou constelação familiar existentes na nossa sociedade, cada vez mais comuns e cada vez menos uma excepção, em que a reprodução (em termos de capacidade biológica ou de vontade do casal) não é, nem pode ser, uma condição ou obrigação (legal ou social), sem que o essencial se perca: pessoas ligadas por laços de sangue ou de afectividade que partilham uma vida em comum.

A sociedade, as mentalidades e a generalidade dos cidadãos têm vindo, felizmente, a progredir no sentido de se tornarem cada vez mais tolerantes, despreconceituosas e abertas a aceitar formas de ser e de estar na vida apelidadas de “diferentes” de uma pseudo-normalidade ou de um padrão que, contudo, não as pode, nem deve (!) excluir como formas e opções de vida tão absolutamente legítimas como quaisquer outras, de natureza profundamente íntima e pessoal, que não contendem com direitos ou liberdades alheias e que têm, por conseguinte, de ser respeitadas, não servindo de pretexto para a recusa do gozo de um direito fundamental como é o de casar.

 

O reconhecimento da possibilidade de pessoas do mesmo sexo poderem contrair casamento, poderá representar, adicionalmente, mais um pequeno, mas importante, passo para acabar com os tabus, preconceitos e discriminações sociais que muito contribuem para que muitos cidadãos prefiram viver parte da sua vida e do seu sofrimento no silêncio da clandestinidade com medo da incompreensão e do preconceito que os sancionem e penalizem aos mais diversos níveis: social, laboral, político, educacional, etc.

 

Com o presente Projecto de Lei, “Os Verdes” prosseguem a defesa da consagração e extensão do Princípio e Direito à Igualdade relativamente à orientação sexual como consequência natural da proposta que apresentaram desde 1997, e que defenderam desde sempre, e que resultou na já referida alteração do artigo 13º da Constituição em 2004.

 

Pretende-se assim, depois dos progressos feitos a nível da lei das Uniões de Facto (cujo regime não substitui, antes constitui alternativa), dar o passo definitivo no sentido de consagrar plenamente o Direito à Igualdade no acesso ao casamento por parte dos cidadãos, independentemente da sua orientação sexual, homo ou hetero, que assim o desejem.

 

“Os Verdes” optaram, em termos de técnica legislativa, por alterar o Código Civil no seu artigo 1577º (noção de casamento), aproveitando ainda para alterar mais alguns artigos no sentido de expurgar o mesmo Código e o Código de Processo Civil de pequenas incongruências que subsistiriam, designadamente eliminando a disposição que sanciona o casamento entre pessoas do mesmo sexo com a “inexistência”.

 

Na anterior legislatura o Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresentou a PJL nº 218/X, sobre a matéria em causa, com a convicção de que o seu conteúdo tinha condições para ser aprovado face à formação parlamentar da passada legislatura. Infelizmente o PS optou por não aprovar o PJL do PEV, adiando a resolução de uma desigualdade que “Os Verdes” consideram que tinha já condições para estar solucionada. É tempo, pois, de voltar ao debate, com vista a obter soluções.

 

Nesse sentido, os deputados do Partido Ecologista “Os Verdes”, abaixo assinados, apresentam o seguinte Projecto de Lei visando garantir a universalidade e igualdade no acesso ao casamento:

 

Artigo 1º

 

Os artigos 1577º, 1591º e 1690º do Código Civil Português, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344 de 25 de Novembro de 1966, passam a ter a seguinte redacção:

 

 

“Artigo 1577º

(Noção de casamento)

 

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

 

 

 

 

 

Artigo 1591º

(Ineficácia da promessa)

 

O contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.

 

Artigo 1690º

(Legitimidade para contrair dívidas)

 

1. Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro.

2. (…)

 

Artigo 2º

 

É revogada a alínea e) do Artigo 1628º do Código Civil Português.

 

Artigo 3º

 

Os artigos 28º-A e 134º do Código do Processo Civil passam a ter a seguinte redacção:

 

“Artigo 28.º-A

(Acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges)

 

1.    Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família.

 

2.    Na falta de acordo, o tribunal decidirá sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 25.º.

3.    Devem ser propostas contra ambos os cônjuges as acções emergentes de facto praticado pelos dois, as acções emergentes de facto praticadas apenas por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no número 1.

 

Artigo 134º

(Suspeição oposta aos funcionários da secretaria)

 

Podem também as partes opor suspeição aos funcionários da secretaria com os fundamentos indicados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 127.º, exceptuada a alínea b). Mas os factos designados nas alíneas c) e d) do mesmo artigo só podem ser invocados como fundamento de suspeição quando se verifiquem entre funcionário ou seu cônjuge e qualquer das partes.”

 

Artigo 4º

 

Todas as disposições constantes de quaisquer diplomas legais, regulamentares ou administrativos que façam referência a “marido”, “homem”, “mulher”, “esposa” ou expressão análoga para efeitos normativos que consagrem direitos ou deveres, pressupondo a existência de um contrato de casamento, devem ser interpretadas no sentido de se referirem a “cônjuge”.

 

Assembleia da República, 30 de Outubro de 2009,

 

Os deputados,

 

Heloísa Apolónia

José Luís Ferreira

 
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