Estivemos em dois campos de concentração Nazi nas vilas polacas de Oswiecim e Brzezinka. Mais concretamente no campo de concentração onde se dizimou o maior número de pessoas que há memória na história. Uma situação que se deu apenas porque alguém de nome Adolfo Hitler convenceu uma nação que os que não eram parecidos consigo ou da sua raça não mereciam existir.
E um pequeno parenteses: Aproveitando diversos acontecimentos recentes terei que pedir desculpa a todos quantos não concordam comigo ou acham que tenho uma visão demasiadamente puritana daquilo que deve ser o mundo... mesmo assim é sem dúvida aquilo que eu penso. No século XXI ainda temos um estado permanente de guerra no médio oriente com as mais diversas "desculpas": porque este solo é meu e não teu, porque o meu Deus é Alá e o teu é Jeová... Infelizmente para alguns a memória é curta e não aprenderam a respeitar as outras religiões. Por outro lado são tantos os exemplos de países onde os mais básicos direitos humanos não são respeitados (incluindo o direito à autodeterminação sexual) e pouco vemos a dita "comunidade internacional" a intervir nestas situações. Parece que o mundo não aprendeu nada com os horrores das guerras e dos tiranos deste mundo (e que muitos teimam em defender a todo o custo).
Hoje quando se visita Aushwitz não se tem a percepção daquilo que foi em tempos: um local originalmente pensado para prisioneiros políticos da Polónia (invadida pelo 3º Reich) que entretanto serviu para Judeus, Soviéticos, Ciganos, Checos, Homossexuais... Pessoas que encontraram dias de sofrimento e, na sua maioria, a morte. Em 14 de Junho de 1940 a Gestapo (polícia política) enviou os primeiros prisioneiros políticos para Auschwitz: 728 Polacos de Tarnow. Os prisioneiros nos campos eram identificados por símbolos cozidos na sua farda. Adicionalmente os não-germânicos tinham a sua nacionalidade indicada por iniciais sobre estes símbolos (como o caso dos ciganos: "Zigeuner" em alemão).
Mas entremos e vejamos com os nossos olhos: este museu de dor e sofrimento não tem no seu interior relíquias mas sim testemunhos. E se entrarmos em silêncio quase que se pode ver e ouvir os prisioneiros que ainda por lá andam, é uma sensação de arrepio logo nas primeiras salas... Como ficar indiferente às condições sub-humanas a que eram submetidos os prisioneiros começando pela forma como eram 'identificados' e descaracterizados passando a serem meros números... como descansavam em serapilheiras com um miserável colchão de palha sobre o concreto, as roupas era mudadas raramente, nunca lavadas, e o clima austero não ajudava. Nestas circunstâncias os surtos de tifo, febre tifoide e "chatos" eram comuns.
Mas ainda vamos no início e o meu espírito já se sente fragilizado ao tomar consciência tão brutal do que foram aqueles anos de atrocidades Nazis.
E quanto mais se avança nas salas maior é o espanto... de uma ponta à outra uma vitrina com pilhas de sapatos, e sapatos e mais sapatos; na sala seguinte malas de viagem, e conforme vamos avançando mais coisas empilhadas; pertences pessoais como pentes, escovas de cabelo, carteiras, jóias, e o que mais se possa imaginar. Tudo resultado da máquina meticulosa organizada pelo regime Nazi que retirava tudo aos prisioneiros que chegavam ao campo para distribuir por civis e militares na Europa ocupada.
Tudo isto dói ao ser visto mas doeu muito mais entrar numa das últimas salas e ver a foto de uma criança a quem nunca ninguém deveria fazer mal algum muito menos fazê-la passar fome, fuzilá-la ou metê-la com a sua mãe numa câmara de gás com a ilusão de que iam tomar banho. Se até então consegui manter a postura ali tudo se desmoronou ao pensar que muitos de nós temos filhos e sobrinhos (e o quanto amamos os nossos). Traduzir todo o sofrimento até então visto para a pessoa de uma criança é dor a mais, digo eu... as crianças eram tratadas como adultos: eram selecionadas de igual forma e tinham de fazer as mesmas tarefas com a mesma eficiência e estavam sujeitas às mesmas punições!
Mais adiante temos uma maquete (tecnicamente impecável) onde podemos ver a classe do extermínio: os crematórios de Auschwitz onde os fornos não paravam de trabalhar. Caves por onde circulavam corpos para serem cremados depois de terem passado pelas câmaras de gás, dia e noite num processo aterrador. Só o crematório de Auschwitz I (assinalado a vermelho no mapa) esteve em funcionamento de 1940 a 1943 e eliminava cerca de 350 corpos por dia.
Mas os requintes de malvadez não ficam por aqui, numa das camaratas pilhas e pilhas de cabelo humano, o mesmo cabelo que os SS obrigavam a rapar das cabeças dos prisioneiros recém chegados. Esta operação permitia identificar melhor os prisioneiros caso estes tentassem fugir e prevenia até certo ponto alguns problemas devidos às condições de higiene sub-humanas. Mas a "máquina" não ficava por aqui: o mesmo cabelo era ensacado e depois vendido às fábricas de confecção para produção de tecido. O mesmo tecido onde depois da guerra foram encontrados vestígios de Cyclon B o gás mortal utilizado nas câmaras de gás.
As imagens multiplicam-se numa perspectiva de horrores mas é nos últimos edifícios que a visita se transforma em verdadeira "casa de horrores", versão real.
Entre os dois últimos edifícios fica um pátio de fuzilamento. De um lado diversos postes verticais onde se amarravam os prisioneiros para serem torturados; no fundo uma parede completamente feita em "queijo suíço" pelas balas (assinalada a azul). Nesta parede perderam a vida milhares de prisioneiros na sua maioria Polacos.
Num dos edifícios faziam-se experiências ditas "científicas", incluindo esterilização de mulheres feita por Dr C. Clauberg de forma a conseguir extermínio de raças, principalmente Eslavos. O Dr Joseph Mengele fez experiências com gémeos e deficientes integradas num programa de pesquisa genética e antropológica. Fizeram experiências com substâncias químicas, etc. A maioria dos sujeitos destas experiências faleceram ou ficaram com marcas permanentes.
No outro edifício entramos e temos um rés do chão onde decorriam os julgamentos sumários: em cada sessão de 2 a 3 horas o "tribunal" emitia de umas dúzias a centenas de penas de morte. Os condenados eram executados (depois de se despirem numa pequena sala) no átrio mesmo ali ao lado.
Mas descer à cave onde tudo está como era nos anos 40 é como descer ao inferno... Este edifício era, juntamente com o átrio contíguo, uma prisão dentro do campo, completamente isolada do resto das instalações. Na cave (assinalada a amarelo no mapa acima) encontramos celas de dimensões reduzidas (um cubo de 2m de lado) onde eram colocados prisioneiros sem água, comida, muito pouca luz e quase ar nenhum... Em muitos casos eram aqui colocados prisioneiros condenados à morte por fome devido a terem ajudado na fuga de outros prisioneiros.
Estas caves também foram utilizadas em Setembro de 1941 para fazer as primeiras experiências com o gás Cyclon B: na ocasião morreram 600 prisioneiros de guerra Soviéticos e 250 doentes do hospital do campo.
Mas isto não é o pior. O pior é um pequeno buraco com o aspecto da entrada de um forno, tendo a pequena entrada junto ao chão. Um espaço com 90cm por 90cm de base com um postigo de arejamento de 5 por 5cm. Apenas cabem quatro pessoas de pé (magras), tinham que ali entrar pelo seu pé, era depois fechada a porta e pronto... ficavam ali um ou dois dias... a maioria morria por asfixia.
O único testemunho positiivo é o que recorda aqueles que dentro e fora daquelas salas e muros tudo fizeram por tentar salvar alguém ou se calhar acabar com a guerra. As fotos de alguns dos resistentes e alguns que acabaram também dentro do campo estão lá assim como diversos documentos e as formas como a muito arriscada comunicação entre o exterior e o campo era feita.
Para terminar podemos dizer que Auschwitz I é hoje um local turístico, bem cuidado e apresentável onde tem gente que trabalha de forma a manter este campo vivo não deixando que ninguém ouse alguma vez esquecer quanta deve ser a vergonha da raça humana!
De certo que já teve oportunidade de ver um filme sobre o Holocausto Nazi, e de certo se recorda que os prisioneiros chegam em comboios, e que esses comboios entravam pelo campo dentro como se de uma gare se tratasse. Pois bem, na maioria dos filmes vê-se o campo de Aushwitz II ou Birkenau, um campo com uma área de 175 hectares, mais de 300 camaratas onde os prisioneiros dormiam naquilo que nós, em Portugal, chamamos de "barras de batata", (espécie de prateleiras em tábuas de madeira com mais ou menos 2m de largura por 1.5m de profundidade), em que cada nível servia de leito para 8 pessoas. A cerca de 3km de distância de Aushwitz I este campo começou a ser construído em 1941 e chegou a alojar 100000 prisioneiros em Agosto de 1944. Em 1943 foi ainda construído Aushwitz III na vila de Monowice que tinha diversos campos satélite junto de fábricas onde os prisioneiros eram usados como mão de obra barata. Apenas Aushwitz I e II se encontram hoje em dia abertos ao público como museus.
Os prisioneiros chegavam à zona de descarga e era feito logo ali o rastreio: os que estavam aptos para trabalhar iam para o campo; os outros seriam executados. A maioria dos Judeus passou directamente da zona de descarga para as câmaras de gás sem registo prévio. De tal forma que ainda hoje não é possível saber o número exacto de pessoas que perderam a vida nestes campos de concentração... uma estimativa mais ou menos consensual aponta para 1,5 milhões de judeus executados. E, cúmulo da eficiência, os Nazis convenciam os Judeus que iriam ser "deslocados" para outros locais na Europa ocupada, de tal forma que as famílias viajavam com os seus pertences mais valiosos.
O campo contava também com quatro crematórios (marcados a vermelho no mapa acima), e estava divido em seis diferentes secções autónomas:
B1a - campo de mulheres;
B1b - campo de homens (quando ainda só existia B1), a partir de 1943 passou a campo de mulheres;
B2a - campo de quarentena;
B2b - campo para famílias de Judeus de Theresienstadt;
B2c - campo dos Judeus da Hungria;
B2d - campo dos homens (neste estavam incluídos os homossexuais);
B2e - campo dos ciganos;
B2f - campo hospital para prisioneiros;
B2g - campo de armazém;
B3 - sector III do campo (em construção);
Zona de descarga - a verde;
Complexo de desinfecção "sauna" - a amarelo;
Diversas zonas onde os corpos eram cremados ao ar livre - uma neste mapa a castanho;
Diversas zonas onde as cinzas eram deitadas - uma neste mapa a rosa;
O "campo de armazém" era destinado aqueles que estariam prestes a serem eliminados, quer nas câmaras de gás quer por fuzilamento.
Hoje em dia numa visita em Birknau não temos muito para nos associar a essa era de sofrimento, já que os Nazis quando bateram em retirada fizeram por destruir o mais possível qualquer vestígio que os pudesse incriminar no futuro. No entanto este processo foi, obviamente, atribulado e pouco eficiente. Os seus principais objectivos foram os crematórios e destruir pelo fogo a maioria das casernas (as da secção B2 eram praticamente 100% madeira). Hoje são muito poucas as que se mantém de pé (45 de tijolo e 22 de madeira), e a imagem que temos de Birknau é mais de um campo em ruínas em que as camaratas que ainda se mantém de pé passavam facilmente por armazéns ou estábulos. No entanto a mera constatação da imensa área ocupada pelo campo, assim como uma visita às casernas reconstruídas, dá para ter uma ideia da dimensão dos crimes e da vida terrível que se teria neste campo.
Temos também em Birknau um monumento ao fim do fascismo (no final da rampa de descarga). Este monumento foi erigido em 1967 com financiamento principalmente por parte dos judeus que foram sem dúvida o grupo mais dizimado neste Holocausto.
Visitamos ainda e bem conservada "sauna": um edifício com chuveiros e instalações de desinfecção de pessoas e bens onde passavam os novos prisioneiros do campo e, a intervalos regulares, todos os prisioneiros em geral. Como seria de esperar o espaço revela a eficiência de uma linha de montagem de uma fábrica: os prisioneiros entravam, tiravam toda a roupa, tomavam um chuveiro. Entretanto a roupa era desinfectada em autoclaves. Finalmente recebiam a roupa e saiam. A principal razão da criação deste serviço deve-se mais a questões práticas que humanitárias. Dada a falta de higiene no campo em geral e o número elevado de prisioneiros, as epidemias começaram a surgir. O problema, do ponto de vista da gestão do campo, foi o risco elevado de contaminação dos Nazis que trabalhavam no campo daí a criação deste equipamento.
Outros pontos de referência são aqui e ali locais que hoje em dia são relvados calmos ou lagos serenos, mas que, nos tempos de funcionamento do campo, serviram para depositar as cinzas dos crematórios ou mesmo para efectuar ao ar livre a cremação propriamente dita.
Se Auschwitz I é um quadro vivo daquilo que foram as atrocidades ali vividas, com um museu em que não faltam referências de vários tipos para que a nossa imaginação possa criar essas imagens sem dificuldade, em Auschwitz II - Birknau isso pode ser um pouco mais difícil dado a onda de destruição que se vê neste momento.
Mas ambos os campos são... não um museu de horrores, não um espaço de contemplação, mas sim um espaço de reflexão profunda do que ainda nos tempos de hoje se faz por esse mundo fora, das guerras que se travam, dos genocídios que se praticam, e tudo com a desculpa da diferença do outro...