No entanto, ao observar-se a cobertura internacional, uma vasta maioria de notícias, posts, tweets e celebrações de vitória no instagram propositadamente apagaram o vital papel T na conquista desta vitória.
O conveniente esquecimento do T pelos meios de comunicação e activistas LGBTIQ não é novidade. Dos Estados Unidos às Filipinas, a comunidade trans é propositadamente e/ou inconscientemente excluída.
A “exclusão trans” atravessa a cobertura mediática, esforços activistas, planos de saúde, serviços sociais baseados no género, e estende-se ao trabalho de proeminentes e prestigiadas organizações de direitos homossexuais. A Human Rights Campaign, largamente considerada como a mais proeminente organização americana de direitos LGBTIQ, é alvo frequente de críticas pela sua histórica falta de reconhecimento dos assuntos trans na sua luta. Se bem que a HRC tenha feito significantes e louváveis avanços nesta matéria no seu passado recente, vale a pena a menção que uma busca no Google por “Human rights campaign trans” apresentou como primeiro artigo o seguinte: Porque a comunidade trans odeia o HRC (Why the transgender community hates HRC).
Em Portugal, também a ILGA Portugal tem sofrido o mesmo destino, ao insistir na sua não definição em matérias trans tão importantes como a despatologização e servindo como força de bloqueio sempre que a mesma vem à baila, sem nunca, no entanto, se posicionar contra (ou a favor).
A cobertura mediática da recente sentença líbia não tem sido uma excepção à tendência global de “apagamento” do T. A histórica sentença originou-se num caso apresentado contra uma mulher trans, mas a cobertura mediática usou quase exclusivamente a palavra “gay”.
A ausência de qualquer referência trans é, em parte, explicada pela terminologia usada na sentença, em que é especificamente dita que “a homossexualidade não é ilegal”. No entanto, é também devida à tendencia de diluição do género em ideias simplistas sobre orientações sexuais, de uma forma que não mencionam - ou não fazem justiça - às complexidades da sentença libanesa. Com efeito, o Juiz El Dahdah rejeitou o caso baseado num acórdão prévio pela ONG libanesa Legal Agenda and Helen, que dita o seguinte:
A identidade de género não é definida por papéis legais, a evolução da pessoa e a sua percepção do seu género devem ser tomadas em consideração.
A mesma sentença que descriminalizou a homossexualidade também reconheceu formalmente as variações de género e a auto-identificação. Esta nuance entre a orientação sexual e a identidade de género não encaixa na tradicional (leia-se ocidental) luta pelos direitos LGBTIQ, que focam invariavelmente os direitos trans como “o próximo passo” depois de avanços nos direitos L,G e eventualmente B, o que também causou o papel vital trans nesta conquista.
Proclamar-se a sentença libanesa meramente como uma vitória gay não é só um insulto à comunidade trans mas também branqueia o movimento LGBTIQ libanês, tornando-o mais ocidentalizado e mais digestível pelos consumidores ocidentais.