A reportagem relatou a história de três pessoas que escolheram uma profissão/hobby e/ou um modo de vida que rompe com os padrões de género da sociedade portuguesa.
A intenção do jornalista foi focar a discriminação social e familiar sofridas por quem escolhe tipos de vida não normativos, e o empoderamento feito pelos mesmos, em luta contra uma sociedade machista, misógina e preconceituosa.
Centrado na vida de Rebecca Bunny, Camel Toe e Luna, a reportagem fala de algumas experiências vividas por estas três personagens no seu percurso.
E foi uma agradável surpresa. Bem feito, com testemunhos poderosos dos intervenientes, nada a dizer contra. A ver (quem perdeu…).
Seguidamente, no programa de informação 21ª Hora da TVI24, foi iniciado um debate sobre a dita reportagem. Estiveram presentes Camel Toe (Bruno Cunha), Luna (Ricardo Magalhães) acompanhado pela mãe, Teresa Magalhães, a psicóloga Rita Torres e Domingos Machado (Belle Dominique).
Camel Toe teve uma prestação poderosa, combativa, activista, muito do meu agrado, talvez alguém que futuramente possa vir a ser um dos líderes pelos direitos LGBTI+.
Luna teve uma prestação meio meio, nas tentativas de apaziguar dois lados que cedo se percebeu entrarem em conflito, compreendendo tanto um como outro lado. Até uma altura em que ficou humanamente impossível defender um dos lados, tanta era a asneirada que vinha.
Teresa Magalhães, a mãe da Luna, foi igual a si própria, tal como eu me recordo dela: meiga, apoiante, sei lá, uma mãe com M grande, um exemplo que devia ser seguido pela maioria das mães que existem por esse Portugal fora.
Rita Torres, talvez devido ao rumo que o debate tomou, não se evidenciou muito. Falou pouco, falou bem, falou o politicamente correcto.
Agora Domingos Machado (Belle Dominique). Convenhamos, qualquer coisa que se faça é suposto correr bem. E quando as coisas correm bem (como é suposto), nada a dizer. Quando qualquer coisa corre mal é que se deve analisar para futuramente não se cair nos mesmos erros. E Domingos Machado foi um erro. Colossal.
Na sua primeira intervenção foi logo para o disparate: a reportagem não se devia chamar “Senhor Traveca” mas sim “Monsieur Travesti” porque era “mais chique”.
Era de se esperar que nos tempos em que vivemos agora, já se tivesse ultrapassado estes clichés démodées (francês é mais chiquê). Costuma-se dizer que burro velho não aprende línguas (como apelidou as novas gerações de burros, é justo que se aplique a ele também) e quando a um burro velho se junta a casmurrice (teimosia como ele se auto definiu) não haverá nada a fazer.
Penso que a ideia da TVI seria de ter os três protagonistas da reportagem em estúdio. E que, como José Coelho (Rebecca Bunny) não esteve presente, devem ter convidado Domingos Machado à última da hora para preencher o lugar vago. E mais valia que o lugar se tivesse mantido vago.
Continuando, Belle Dominique achou-se ainda no direito de criticar a forma/modo como os espectáculos são feitos no presente, mais individualizados, diferentemente de como eram feitos na sua época. Enfim, épocas diferentes, formas diferentes de expressão, tão válidas umas como as outras. Claro que não referiu que nos antigamentes havia uma espécie de ditadura das mais cotadas em relação às mais novas, quantas vezes inibindo a criatividade e inovacionismo que iam aparecendo pelo medo de vingarem e tornarem-se adversárias.
Outra, ser homossexual é uma opção. Gostava de saber em que altura da vida ele acordou e decidiu ser homossexual, “ok, já decidi qual a minha opção, vou ser homossexual” e quem sabe clicando num qualquer botão mágico na sua iluminada cabeça. Enfim...
Depois chegou um dos momentos mais caricatos, quando acusou as novas gerações de serem “um bocadinho como os burros, têm umas palas (...)” e “são mais borregos, vão todos atrás uns dos outros”.
Assim, sem mais nem menos, começa a ofender as pessoas, e claro que não se explicou, afinal quem não entendeu os porquês devem ser também burros.
Camel Toe é que não achou muita piada ao ser chamada de burro (ou baudet se se quiser ser chiquê) e caiu em cima do Machado. Com toda a razão e justiça, diga-se.
Outra das “pérolas” do nosso “baudet” de serviço foi a incompreensão dos motivos pelos quais as marchas são e continuam a ser necessárias, ao dizer que as marchas “não representam a homossexualidade”.
Pois não, há muito que as marchas ultrapassaram os limites da orientação sexual, tornando-se em marchas pelos direitos LGBTI+. Nesse aspecto tem razão, embora seja óbvio que não era a isso que se referia.
E a que se referia ele? Ao direito que os homossexuais têm de o serem, desde que dentro do closet ou de espaços exclusivamente homossexuais.
Ou seja, para este Machado, o ser gay é tão normal que só o deve ser dentro do armário, fora deste, qualquer bom homossexual que se preze deve ser/parecer hetero.
Ora as marchas, como lhe foi bem explicado (embora duvide que a teimosia que disse ter lhe tenha permitido entender qualquer coisa) existem precisamente para se reivindicar o espaço que lhes tem sido sistematicamente negado.
Basta pensar-se neste exemplo: muito recentemente um casal gay em Coimbra foi insultado e agredido por se terem beijado em público. Não tenho dúvida que para Machado o dito casal nunca se deveria ter beijado em público, afinal os bons gays são os que ficam no armário), sendo que o beijo entre duas pessoas deve ficar reservado para os casais hetero. Ora as marchas reivindicam precisamente o direito a que um casal qualquer, seja hetero ou homo, tenha o direito de dar um beijo.
Simples. Mas para um baudet, casmurro (ainda por cima), entender isto, vai lá vai.
Portanto, Camel Toe muitos pontos acima, Domingos Machado muitos pontos abaixo de zero, os restantes no meio mas todos no positivo.
E concordo em absoluto com Camel Toe/Bruno Cunha: é “indesculpável a ignorância" de Domingos Machado acerca das Marchas do Orgulho LGBTI+.