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Quarta-feira, 2 Março 2011 08:18

PORTUGAL
Cavaco promulga diploma e cirurgias param



PortugalGay.pt

O Presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, promulgou ontem, 1 de Março de 2011, o diploma que cria o procedimento de alteração de nome e sexo no registo civil, mas o Serviço Nacional de Saúde perde o único cirurgião que praticava estas intervenções cirúrgicas.


Cavaco promulgou a lei contra vontade, por imperativo constitucional, já que o documento foi reaprovado pela Assembleia da República sem qualquer alteração, que a existir permitiria um segundo veto presidencial.

Insistindo na mesma argumentação usada no veto em Janeiro, considera que o documento revela graves deficiências de natureza técnico-jurídica ao não definir os critérios de diagnóstico e por não garantir o controlo mínimo das qualificações profissionais de quem emite o relatório clínico.

Estas dificuldades foram assinaladas por vários especialistas, dando como exemplos os pareceres do Conselho Superior da Magistratura ou da Ordem dos Advogados, considerando que a sua actuação foi determinada por critérios exclusivamente orientados para a defesa dos direitos das pessoas e do superior interesse do País.

As reacções por parte das associações transexuais e LGBTTI não se fizeram esperar: Júlia Pereira, porta voz do GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção Transexual) e membro fundador da API (Associação Pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo) considerou em declarações ao Jornal de Notícias que “A Presidência da República aprova o diploma mas não mudou os argumentos e isso também não é novidade. Apesar de, com o tempo que passou desde então, Cavaco Silva já se poder ter informado melhor sobre o assunto e, até, ter uma opinião com mais substância” e que "O presidente da República não explica quais foram os especialistas que ouviu e quais as declarações que produziram. Porque os poucos que existem em Portugal nesta área foram ouvidos no Parlamento e as suas declarações são conhecidas, porque ficaram registadas".

Ainda acrescentou que "As pessoas transexuais passam a ter direito à sua cidadania e esta lei cumpre todas as recomendações internacionais, algo que o presidente não teve em conta tanto no veto como na sua promulgação. Mas, importante agora, é que a Ordem dos Médicos deixe de ter o poder que tem na vida destas pessoas, quando é a única entidade que pode autorizar as cirurgias. Situação única no mundo", dando o mote para uma das próximas lutas que se adivinham pelo reconhecimento pleno dos direitos das pessoas transexuais.

Por sua vez a Associação Pela Identidade - Intervenção Transexual e Intersexo, em comunicado, faz notar que "A questão da identidade de género não diz respeito apenas às pessoas transexuais e até mesmo o presidente da República Portuguesa possui a sua identidade de género, como qualquer cidadão ou cidadã. Por este motivo, o reconhecimento da identidade e consequente direito à cidadania, de todas as pessoas transexuais, mostra-se um assunto do superior interesse do país. Todas as pessoas têm o direito à oportunidade de uma vida digna e de ver respeitada a sua identidade de género", ressalvando que "as objecções apontadas pelo presidente da República não revelam mais que um desconhecimento sobre a situação das pessoas transexuais em Portugal", e perguntando “porque motivo por que não foram tidos em conta os pareceres dos especialistas com larga experiência com esta população, além das próprias pessoas transexuais, que foram ouvidas ao longo de todo o processo legislativo - e se mostraram favoráveis ao formato desta lei.”

Paulo Corte-Real, da Ilga Portugal declarou também ao JN que a "lei reforça o compromisso de Portugal com os direitos humanos". "É um motivo de orgulho. Lamentamos que para o presidente da República não o seja, até porque a Assembleia da República deu um primeiro passo importante na defesa da pessoas transexuais". "Após a publicação da lei, as pessoas transexuais deixam de ter a enorme dificuldade que era a adequação da documentação à sua identidade. Trata-se de um direito que lhes estava negado".

Sérgio Vitorino, também em declarações ao JN em nome das Panteras Rosa, criticou o desconhecimento demonstrado por Cavaco sobre estas pessoas, ressalvando que "Esta legislação não é nada de extraordinária. É quase decalcada da espanhola, que dá como bom exemplo", afirmando que "A Presidência da República aventura-se a fazer considerações médicas que não lhe compete, tal como aos deputados. Aliás, durante toda a discussão desta legislação mostraram desconhecer o que é um transexual e o que significa identidade de género", "Não resolve tudo, mas é um primeiro passo.”

Na mesma altura foi divulgado que o Hospital de Santa Maria não entrou em acordo com o único cirurgião que fazia estas cirurgias em Portugal. João Décio Ferreira abandonou o Serviço de Cirurgia Plástica do hospital por considerar a proposta da administração “ofensiva”.

A proposta considerava 35 horas semanais por um terço da reforma ou do ordenado, o que daria 6 euros por hora. "Isto é menos que uma empregada doméstica ganha.”, afirmou. Um jovem interessado em aprender a sua técnica ainda tem dois anos de especialidade pela frente.

Ficam assim paradas as cirurgias em Portugal.

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