O "filmezinho" desta noite é o filme de abertura do Queer Lisboa, que já vai na sua 28º edição, sendo o mais antigo festival de cinema de Lisboa.
Trata-se do filme brasileiro "Baby", realizado já em 2024 por Marcelo Caetano.
Aproveito para partilhar o texto de Caio Coletti, quando da apresentação do filme em Cannes:
"Faz sete anos desde que Marcelo Caetano se estreou na direção de longas-metragens com "Corpo Elétrico", um retrato sinuoso e enérgico (alguns diriam, elétrico) da juventude queer trabalhadora de São Paulo.
Não é exatamente surpreendente que nesse período, que abraçou uma gestão Jair Bolsonaro e uma pandemia de covid-19, entre milhares de outras transformações no cenário cultural e social brasileiro, o cineasta tenha passado de um artista impulsivo, cheio de sentimentos que sentia gana de colocar em tela, para um contador de histórias considerado, até um pouco comedido.
É o que mostra Baby, que estreou na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 trazendo uma visita renovada, mas muito mais ponderada, à São Paulo dos marginalizados.
Essa nova toada começa já na seleção da narrativa, muito mais específica do que a de Corpo Elétrico.
Baby é a história de Wellington (João Pedro Mariano), que assume o apelido do título quando é libertado da Fundação Casa e introduzido no mundo dos garotos de programa por Ronaldo (Ricardo Teodoro), um veterano da profissão que ele conhece num cinema pornográfico.
Em pouco menos de 1h50 de filme, o roteiro de Baby - assinado por Caetano e seu colaborador habitual, Gabriel Domingues - passeia quase metodicamente pelas armadilhas e negociações morais da atividade profissional de seus personagens, pelas margens em que eles são obrigados a transitar por causa de uma estrutura social que não os apóia, e pelos sonhos que eles alimentam.
Na tela, o resultado é uma jornada de progressão um pouco previsível, mas também envolvente pela aliança que cria entre o espectador e os personagens.
Caetano conservou, de Corpo Elétrico, a habilidade de se colocar ao lado de seus protagonistas, empreendendo os passos por vezes difíceis de suas histórias ao lado deles.
Para o paulistano, principalmente, a experiência de assistir a Baby é a de entrar num drama que normalmente acontece ao seu redor, na periferia das correrias do dia a dia, num cruzamento de narrativas humanas ao qual a metrópole brasileira é tão hostil, e ao mesmo tempo tão condutiva.
Caetano reserva a si a prerrogativa de desvendar as emoções envolvidas nessas histórias, tão frequentemente presas no paralelo entre a centralidade (elas acontecem, afinal, no coração da maior cidade da América Latina) e a marginalidade.
É o outro que está logo ali, e ao mesmo tempo tão distante, que Baby retorna à sua posição de direito ao nosso lado, em pé de igualdade.
Amadureceu também o trabalho de Caetano com os seus actores. Em Corpo Elétrico, a naturalidade das performances já evocava a identificação com o espectador e a imersão no universo do filme, mas em Baby essa naturalidade evolui para uma intimidade que se manifesta mais entre os atores do que deles com a câmera.
A química entre Mariano e Teodoro, os protagonistas do filme, não só é palpável em uma dimensão física como ultrapassa essa barreira para evocar uma cumplicidade e uma ternura que define os personagens como nenhum diálogo do filme seria capaz de fazer.
Na aliança do conhecimento das angústias e carências um do outro, eles encontram uma proteção mútua que às vezes esbarra na obsessão, mas que é melhor do que a insegurança de estar só.
Baby permite a ambiguidade desse pacto entre os dois, assim como se permite equilibrar, com muito mais parcimônia do que seu antecessor, os momentos de vividez e de tragédia.
O resultado é um filmecom menos celebração e mais consideração - mas igualmente envolvente, e sem dúvida igualmente necessário."
Uma boa escolha para a abertura do Festival.
Repete-se a exibição amanhã pelas 16 horas.
Uma palavra para o facto da sala estar completamente esgotada.