Na mesa encontraram-se o sexólogo Rui Vieira, o endocrinologista Garcia e Costa, o cirurgião João Décio Ferreira, todos do hospital de Santa Maria, e elementos da ILGA. Na audiência estiveram também vários clínicos ligados à consulta de Transexualidade do hospital Júlio de Matos, pessoal clínico de outros hospitais, pessoas Transexuais, na sua maioria pacientes do Sistema Nacional de Saúde, e familiares e amig@s da comunidade Transexual.
O debate cobriu as condições da transição clínica no Sistema Nacional de Saúde, e as respectivas reivindicações clínicas, baseadas no documento sobre a situação da Transexualidade em Portugal publicado pela ILGA em Dezembro. O debate foi iniciado com a apresentação dos elementos da mesa pela moderadora Luísa Corvo, e um sumário das condições encontradas pel@s pacientes Transexuais no SNS. Foram referidas as queixas mais frequentes d@s pacientes: um processo transicional excessiva e inutilmente longo, durante o qual não era assegurado o apoio psicológico aos/às pacientes, tratamento desrespeitoso por parte de algum pessoal clínico, ignorância sobre o tema por parte deste, e o âmbito restrito das terapêuticas postas ao serviço d@ paciente como a inexistência de procedimentos para eliminar os pêlos faciais nas Mulheres Transexuais, ou algumas cirurgias de masculinização / feminização facial, ainda por estabelecer, ou estandardizar.
O sexólogo Rui Vieira refutou as críticas, afirmando que as questões indicadas já tinham sido resolvidas, ou estariam em vias de sê-lo. O endocrinologista Garcia e Costa tomou a mesma posição. A contestação começou de maneira deselegante, com ambos a referirem-se aos pacientes do sexo masculino i.e. FtMs como Transexuais femininos, e vice-versa. A terminologia colheu críticas de imediato, quer da parte de pessoas Transexuais, como do pessoal clínico na audiência, e até, aquando da sua intervenção, do cirurgião Décio Ferreira. O tratamento no género errado, desnecessário, ofensivo, e ultrapassado, bem como a insistência na defesa dessa terminologia uma defesa incipiente e paternalista foi confirmando os relatos de pacientes Transexuais do hospital de Santa Maria de tratamentos desrespeitosos. Durante todo o debate, o paternalismo, e até arrogância e prepotência, para com @s pacientes Transexuais do SNS por parte dos dois clínicos, não passou despercebida. Foi também admitido como verdadeiro o relato de provocação pessoal aos/às pacientes, como meio de testar a determinação d@s mesm@s.
Confrontados com as críticas de seus colegas da consulta de Transexualidade do hospital Júlio de Matos, ambos os clínicos assumiram uma atitude cada vez mais defensiva, justificando os atrasos e restantes queixas com a sua inexperiência pessoal, falta de meios, e tentando relativizar cada caso alguns pacientes veriam os seus processos a serem tratados mais rapidamente, e outros menos, pelas próprias característica individuais de cada caso. Contudo, existe uma bipolarização dos atrasos, e restantes queixas, e que pende visivelmente contra a consulta de Transexualidade do hospital de Santa Maria. O pior, mais inadmissível, e ultrajante dos argumentos defensivos foi dizer-se que a Transexualidade, perante um debate público, colheria a reprovação moral dos contribuintes portugueses, que prefeririam financiar outras questões de saúde, do que a transição clínica no SNS1. Não seria difícil ver esse argumento como uma arma silenciadora das críticas d@s pacientes.
No final, foram apresentadas as reivindicações clínicas do Grupo de Trabalho Sobre a Transexualidade da ILGA-Portugal, sendo as legais deixadas para um debate futuro, a realizar também pela ILGA.
O debate permitiu ver uma clara cisão entre a consulta de Transexualidade do hospital de Santa Maria, e a consulta de Transexualidade do hospital Júlio de Matos. Mas também o cirurgião Décio Ferreira, como psiquiatras do Santa Maria, presentes na audiência, ofereceram resistência aos conceitos e justificações de Rui Vieira e Garcia e Costa. Existem duas atitudes dentro do SNS uma mais informada, humana e eficiente, e outra mais conservadora, insensível e ignorante da própria temática actual da Transexualidade e também a minoritária, embora, e de momento, a que tem a última palavra sobre a transição, à portuguesa, das pessoas Transexuais.
O debate abriu as portas ao progresso da primeira visão, e também a um novo trabalho na divulgação, e luta associativa, pela Transexualidade. Os problemas estarão longe de estar resolvidos, mas começam-se a dar os primeiros passos na direcção de um tratamento mais humano, eficiente, respeitador, e célere, dos casos de Transexualidade, bem como na da divulgação, quer entre as associações LGBT, quer ao próprio público, do que é a Transexualidade real.
E até a mais longa das marchas começa com um único passo.
(por www.fishspeaker.blogspot.com )