Não terá sido, porém, o bem estar das famílias que lhes suscitou a fúria mas algo que dizem ter-se passado numa noite do Outono de 2004, quando seis deles pararam naquela zona da IP5. Um deles, o Paulo, terá ido à casa de banho. Aí, narra, "entrou um gajo e começou a olhar para mim. Estava a fazer as minhas necessidades e ele, sem mais nem menos, pôs-me a mão na coisa... Levou um malhão."
A repulsa evidenciada no relato terá resultado no repetido regresso ao local, engrossado em sucessivas narrativas da "estória" a outros, que os acompanhavam na "brincadeira". Às vezes, sobretudo ao fim-de-semana - altura em que a frequência da área de descanso aumenta -, "éramos mais de 20", conta Paulo.
O grupo inclui mulheres - as namoradas de alguns dos valentes - que, segundo uma delas, ficam "sempre no carro". Proprietária de uma das viaturas, Ana hesita em falar sem autorização do namorado, garantindo que "nunca fez nada". Aliás, reforça, "ninguém fez nada". Mas não é bem isso que eles contam num fim de tarde ali mesmo no palco das suas proezas, o quilómetro 87 da IP5.
Começa a anoitecer e o movimento na área de descanso intensifica-se. Chegam vários carros, dos quais saem homens que, percorrendo com o olhar os outros já estacionados, entram e saem das casas-de-banho e se aventuram na mata que envolve a "paragem". Habitantes da zona de Viseu como muitos dos que frequentam aquele inusitado ponto de encontro para procurar um amor ou, simplesmente, um "engate", Paulo e João conhecem uma boa parte deles de nome. "Sabe, muitos deles são casados e pais de filhos." João sorri e e adianta que este tipo de informações (incluindo números de telefone) lhes é facultada por dois "amigos" homossexuais, que, entretanto, se juntaram ao "grupo".
Com o tempo, o hábito e o gosto, as incursões punitivas desta espécie de milícia "dos bons costumes" alargaram-se a outras áreas. Em Fevereiro, a PSP de Viseu identificou quatro rapazes e três raparigas que protagonizavam mais uma cena de perseguição a três homens, mas agora no centro da cidade. Um dos perseguidos já fora alvo de duas ocorrências semelhantes, sempre na cidade, e fez queixa de todas as vezes - de uma delas, a perseguição terá ocorrido até à porta da esquadra, sem que os agentes, assevera o queixoso, tenham feito menção de identificar os alegados agressores. Só à terceira vez isso sucedeu. Mas mais de um mês depois, porém, a crer em João, Paulo e Ana, ainda nenhum dos identificados terá prestado declarações.
O autor da queixa e as suas testemunhas, no entanto, têm recebido telefonemas ameaçadores e há até quem lhes tenha já garantido, em tom de mofa, que teve acesso ao processo. O mesmo sucedeu com outro habitante de Viseu, "atacado" na IP5 e no centro da cidade e que fez duas queixas mas entretanto as suspendeu, "para pensar no assunto". Confrontada com estes factos, a PSP prefere não comentar, garantindo que "se se provar que houve violação do segredo de justiça, serão tomadas as medidas adequadas".
COWBOYS.
Foi isso precisamente que, em conferência de Imprensa, duas associações, a Olho Vivo e a Panteras Rosa/Frente de Luta contra a Homofobia, exigiram ontem, em Viseu. Frisando que a sua cidade "não fica no Irão dos Ayatollahs", Vieira de Castro, da Olho Vivo, disse não querer vê-la transformada "num lugar em que cowboys perseguem, montados nos seus BMWs e Audis, tudo o que não seja cara pálida, enquanto o xerife joga às cartas no saloon".
Vanda Violante, das Panteras Rosa, disse esperar que as declarações do presidente da Câmara, que na segunda feira condenou os ataques, "tenham consequências práticas". Sérgio Vitorino, da mesma organização, anunciou a disponibilização de apoio jurídico gratuito para quem queira apresentar queixa e dirigiu uma mensagem aos agressores "A vossa actuação saiu gorada porque os homossexuais de Viseu nunca estiveram tão unidos". Frisando que a homofobia não é um exclusivo desta cidade, Sérgio Vitorino concluiu: "Se houve alguma coisa de novo aqui, foi que alguém não se calou e quer levar o caso até às últimas consequências".
Consequências em que o "grupo" de amigos de Paulo, João e Ana não crêem. "Não temos medo. Isto não vai dar em nada, até porque, se formos a ver, a culpa não é nossa. É de quem os deixa frequentar este local". Certos de estar do lado do bem, nem por um instante se questionam sobre a justeza dos seus actos, que a lei qualifica como crimes. Para eles, o mal está à vista "Aquilo é uma porcaria... uma pouca vergonha... É que não há outra palavra: é um nojo".
[Nota PortugalGay.PT: Veja mais recortes de imprensa sobre este assunto em: www.portugalgay.pt/politica/portugalgay59.asp ]