No polémico livro, um padre confessa duas relações sexuais com mulheres e uma tentativa frustrada com um homem. O padre chama-se José Guillermo Mariani e tem 77 anos. Quis dar "um grito de transparência e sinceridade que rompa o silêncio de ocultações e hipocrisias" da Igreja Católica. "As pessoas são adultas para receberem a verdade que se vive numa instituição tão antiga, venerada e influente", cita o diário argentino "El Dia". A hierarquia católica já anunciou um castigo iminente, que não deverá "excluir os passos administrativos ou judiciais que sejam necessários". Nas ruas, há quem destaque a valentia de Mariani e quem defenda a sua expulsão. "A minha vida não se resume a três experiências sexuais", refere o sacerdote ordenado em 1951. A autobiografia fala de disputas internas na hierarquia católica, da cumplicidade da Igreja com as ditaduras, da luta de Mariani contra os militares, das perseguições que sofreu, do exílio e até das suas actuais batalhas contra a exclusão social, mas esses aspectos não provocam discussão pública. Mariani é, segundo a imprensa argentina, acarinhado pelos fiéis e tido como "progressista" pelos seus pares. Autor de poemas, de artigos jornalísticos e de diversos textos que fazem a defesa dos mais humildes, é uma voz respeitada em assuntos religiosos - tanto que conduz um programa no Canal 10 de Córdoba desde 1992. A primeira edição de "Sin tapujos, la vida sexual de um cura", lançado a semana passada, esgotou em dois dias. A obra converteu-se no epicentro de um aceso debate sobre celibato religioso. Os sacerdotes "também têm impulsos sexuais adultos", sublinha o autor. "Talvez o que está a acontecer, com tantos padres denunciados por abuso sexual de menores, é para evitar que esses sentimentos tão humanos saiam à luz", cita-o o diário espanhol El Pais. Na opinião de Mariani, "é indispensável que o celibato não seja obrigatório". Tal imposição "mudará com o tempo", ainda que não durante o papado de João Paulo II. Tudo porque, diz, "a vida vai tirando todos, incluindo à Igreja, dessa obscuridade onde o sexo é visto como mau". A ordenação de homens casados eram prática corrente até ao Concílio de Trento, datado de 325. Actualmente, devido há escassez de vocação, há quem defenda o regresso a essa prática. João Paulo II, porém, tem descartado essa possibilidade. A história de Mariani é tanto mais interessante quanto o pároco recorda que as suas duas experiências com mulheres ocorreram quando era muito jovem. E que a sua tentativa frustrada com um homem aconteceu na sequência de uma visita ao Vaticano. Convidado pelos avós a viajar até à Europa, o jovem Mariani descobriu em Roma "uma Igreja que não imaginava que tivesse tantas coisas". "Era muito ingénuo, com uma formação de seminário muito santificada, escandalizei-me tanto que voltei decidido a abandonar o sacerdócio", conta. No Vaticano, viu "os negócios, as rivalidades pelos cargos". "Ali, todos sabiam como encontrar prostitutas e homossexuais contratados". De volta à Argentina , com um colega de camarote, iniciou uma experiência sexual. "Não houve mais do que o contacto dos corpos e o esforço de partilhar carícias" - "mutuas inibições (...) prevaleceram sobre a nossa momentânea permissividade", confessa em "Sin tapujos, la vida sexual de um cura". Mariani redescobriu entretanto uma Igreja diferente da que vira naquela viagem na sequência do concílio Vaticano de 1962: "Uma Igreja aberta ao povo, de compromisso com a realidade". Entusiasmou-se então, de novo, com o sacerdócio.