Sabe-se que indivíduos com a mutação genética designada CCR5 delta 32, expostos ao VIH, não se infectam porque a mutação evita a entrada do vírus nas células do sistema imunitário.
Christopher Duncan e Susan Scott investigadores da Universidade de Oxford e da Universidade de Liverpool, respectivamente acreditam que a mutação no CCR5, associada à resistência ao VIH, deu-se em resultado das vagas de peste que assolaram a Europa.
O estudo Reavaliação das Tendências Histórias Selectivas para a Mutação do CCR5 delta 32 sugere que o mal veio por bem. E o mal, neste caso, foi não a peste bubónica, mas as epidemias de febres virais hemorrágicas, consideram Duncan e Scott.
TRANSMISSÃO DA MUTAÇÃO
Como as pessoas com a mutação do CCR5 sobreviveram às epidemias, puderam transmiti-la, justificando a prevalência cada vez maior de imunidade nas gerações seguintes.
Os investigadores admitem que nos países mais recentemente afectados por epidemias há mais pessoas portadoras da benfazeja mutação.
Na Escandinávia, por exemplo, sujeita à peste de Copenhaga de 1771, a taxa de resistência ao VIH pode ascender a 14 ou 15 por cento da população.
Outro exemplo, muito citado, de eventual imunidade natural é o de um grupo de prostitutas do Quénia, expostas ao vírus na relação com os clientes e ainda assim saudáveis.
ESPERANÇA E CAUTELA
Em 1997, as mulheres prostitutas dos bairros de lata de Nairobi foram consideradas um factor fundamental na descoberta de uma vacina, que, no entanto, quase dez anos depois, ainda não foi produzida.
Naquela altura, médicos e investigadores não esconderam a surpresa e a esperança que lhes causou a resistência de mulheres ao VIH, que vendiam sexo sem protecção numa zona onde a sida era uma entre as doenças mais mortíferas. Era a Deus que as mulheres atribuíam a miraculosa imunidade.
Os estudos com base em mecanismos naturais de resistência são feitos há dezenas de anos. O caso das prostitutas do Quénia é um exemplo, ao que sei sem grandes desenvolvimentos e efeitos práticos, comenta Maria José Campos, médica, recomendando cautela e moderação da esperança.
HOMEM DO MILAGRE ENTREGA-SE À CIÊNCIA
Andrew Stimpson é, até prova em contrário, o rosto de um milagre médico: deixou de ser seropositivo e nem sequer se submeteu a qualquer tratamento. O jovem inglês, que ganha a vida a fazer sanduíches, acaba de entregar-se a um especialista inglês, Jonathan Weber, do Hospital de Saint Mary, que pretende descobrir o que tem Andrew de tão especial.
O professor [Weber] disse-me que deve encontrar as resposta no sangue que foi analisado na Clínica Victoria, em Londres, onde fiz dois testes com resultados positivos ao VIH, seguidos de quatro com resultados negativos.
Andrew ofereceu-se para testes complementares àquelas análises. Talvez seja necessário realizar mais exames para descobrir se há alguma coisa no meu sistema imunitário que deu cabo do vírus. Para o professor Jonathan Weber, investigador do Imperial College, o mais importante é voltar a analisar os primeiros testes, que deram positivo.
EFEITOS SOBRE O FÍGADO SUSPENDEM ENSAIO
Um dos ensaios clínicos relacionados com a nova terapêutica contra o VIH foi suspenso devido aos efeitos tóxicos sobre o fígado. Prosseguem entretanto outros dois, um deles envolvendo doentes internados em hospitais portugueses, na expectativa de, até ao final do próximo ano, comercializar um medicamento baseado nos mecanismos de resistência natural ao vírus.
A ideia é tirar partido de uma mutação genética que elimina o receptor (CCR5) do vírus, existente à superfície da célula. Trata-se pois de impedir a entrada do VIH.
Os tratamentos actualmente disponíveis actuam de modo diverso. Os antiretrovirais mais conhecidos actuam bloqueando a reprodução do vírus no interior da célula e inibindo a divisão daquelas que já foram infectadas. Se pensarmos no vírus como uma chave e na célula como uma fechadura, a acção desenvolve-se dentro da fechadura.
Outro tipo de medicamentos actua no canhão da fechadura, tentando impedir a entrada e o movimento da chave. É o caso de um medicamento que evita a fusão do vírus na célula.
Nesta analogia o CCR5 é o receptor de entrada do vírus na célula, ou seja, o próprio buraco da fechadura. O medicamento em ensaios clínicos actua a este nível, prévio a qualquer um dos indicados antes. Eliminando, grosso modo, o buraco da fechadura não há maneira de permitir ao vírus a entrada na célula.
NÚMEROS DA INFECÇÃO EM PORTUGAL
27 MIL: Casos de infecção pelo VIH notificados em Portugal (n.º oficial).
12.210: Número oficial de portugueses que contraíram a doença.
500: Número anual de mortes de infectados com o vírus em Portugal.
48,4%: Percentagem de infecções por toxicodependencia (5905).
32.5 %: Percentagem de infecções heterossexuais (3973).
13.5 %: Percentagem de infecções homo ou bissexuais (1649).
NOVA TERAPÊUTICA
A nova terapêutica, em ensaios clínicos, copia a resistência natural ao vírus da imunodeficiência humana (VIH).
DOENTES PORTUGUESES
Um dos ensaios clínicos da nova terapêutica envolve 25 portugueses. Outro foi suspenso devido aos efeitos do fármaco no fígado.
CHAVE E FECHADURA
Comparando o vírus à chave e a célula à fechadura, a nova terapêutica actuaria no próprio buraco da fechadura.
EPIDEMIAS E MUTAÇÃO
A exposição às epidemias do passado terá permitido a transmissão de uma mutação genética associada à resistência ao vírus.
DEZ ANOS EM ESTUDO
A nova terapêutica foi desenvolvida em tempo recorde uma década após a descoberta da mutação genética.
EXPOSIÇÃO E INFECÇÃO
O jovem inglês que deixou de ser seropositivo não constitui exemplo de resistência natural. Ele foi exposto ao vírus e infectado.