Já questões que em 1999 determinaram o "chumbo", por Jorge Sampaio, de uma lei socialista (aprovada com os votos do PS e do PP) - a limitação do número de embriões a criar e a restrição ao diagnóstico pré-implantatório, que segundo os especialistas impossibilitavam o sucesso da técnica -, estão apenas presentes no projecto do PSD, que limita a três os ovócitos a serem inseminados por mulher e admite apenas o diagnóstico se "não implicar a destruição de embriões". O projecto deste partido é aliás muitíssimo restritivo, proibindo o recurso às "mães portadoras" ou à maternidade de substituição, admitidas pelo PS, PCP e BE.
Também a possibilidade de investigação em embriões, outro engulho em anteriores discussões, foi desbloqueada em todos os projectos, ainda que com restrições diferenciadas (o do PSD admite-a apenas "em benefício do embrião"), talvez em reflexo do último parecer sobre o assunto do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que pela primeira vez admitiu essa possibilidade.
Infertilidade é doença. A asserção de que a infertilidade é uma doença e deve ser como tal encarada - explícita em todos os projectos, à excepção, uma vez mais, do PSD - implica que se onere o Serviço Nacional de Saúde com parte das custas do processo de procriação medicamente assistida (PMA) e se impute aos seguros de saúde o suporte de outra parte das despesas (proposta de PCP e BE). Mas Mário Sousa, professor na Faculdade de Medicina do Porto e um dos mais reputados especialistas portugueses de reprodução assistida e investigação com embriões, confessa-se desiludido. "Há avanços. É bom que se autorize a doação de espermatozóides, óvulos e embriões - com a excepção do PSD, que só admite a adopção de embriões - e os diagnósticos genéticos. Porém, há grandes falhas."
Desde logo, para este investigador, o facto de as mulheres sós terem sido ignoradas pelo PS e BE ("O que será isso das mulheres sós inférteis de que fala o BE?", pergunta), assim como a não contemplação do "bebé medicamento". "Nós fazemos isso há anos em Portugal, seleccionamos embriões para possibilitar um transplante de sangue do cordão umbilical para salvar um filho já existente do casal. É um retrocesso muito grande." Este especialista está também em desacordo com os limites de idade, mínimo e máximo, impostos por todos os projectos. "Porque é que uma mulher só há-de poder ser candidata a PMA até aos 45 anos? Essa agora! Porque é que não deixam os médicos ajuizar aquilo que só pode ser ajuizado por critério científico?" Também o limite mínimo de 18 anos lhe suscita reservas, ainda que menores "Há minorias em que os 16 anos são a maioridade..."
"Ofensa a famílias não clássicas". Desolado, Mário Sousa vê-se a "enviar gente para Espanha", como aliás já faz agora, por ausência de resposta dos serviços portugueses. "Estou sempre a enviar mulheres para lá. É muito mau, até porque essas pessoas depois têm de lá ter os bebés."
É certo que o PCP elaborou um projecto mais próximo da prática actual de PMA em Portugal, quer em hospitais quer em centros privados, e daquilo que em países como o Reino Unido e a Espanha foi consignado em propostas de lei recentes (uma comissão nomeada pela Câmara dos Comuns inglesa para avaliar a lei anterior, de 1990, considerou que a disposição desta que definia como preferível a existência de uma família constituída por pai e mãe conformava "uma ofensa inaceitável às famílias não clássicas") .
É expectável, porém, que as propostas mais ousadas do PCP, como a permissão da inseminação pós-mortem (a utilização do esperma de um membro de um casal que tenha dado autorização para o facto) fiquem pelo caminho, por minoritárias, mesmo que, como se prevê, os quatro projectos baixem à comissão para discussão na especialidade sem votação prévia.