É, precisamente, a cultura, a identidade e a visibilidade do universo gay que estrutura o espectáculo de Luís Assis, ao articular a linguagem performativa com a cultura gay. Este one-man show decorre num espaço cénico preciso, confinando a acção a um pequeno quadrado branco, sobre o qual se encontra apenas uma cadeira, uma estante para partitura (que afinal suporta cartões escritos que vão sendo lidos), o tronco de um manequim coberto por um casaco e, ainda, um quadro onde vão sendo escritos a giz os números e os títulos das cinco lições propostas para compreender o gay português: 1.ª - Conceitos Básicos & Ideias Feitas, 2.ª - Roteiro para a Compreensão do Gay Moderno, 3.ª - O Engate, 4.ª - O Mundo Hetero e 5.ª - Portugal "Quase" Gay.
Recupera-se, portanto, de certo modo, a intenção de uma aula. O que se reflecte na relação directa que Assis estabelece com os espectadores, que vai sendo repetidamente interrompida pela acção de beber água por uma garrafa, relevante para a desmistificação do trabalho de palco e a humanização do actor. Mas a constante precipitação do gesto e da fala não permite a valorização destes momentos de pausa, nem o apuramento eficaz da estratégia camp que atravessa todo o espectáculo.
A incursão pelo camp acaba, de facto, por revelar-se algo inconsistente, já que nunca chega a ser totalmente assumida por uma clara postura de resistência, radicada no artifício, na teatralidade paródica e na autoderisão irónica, que questione e relativize o próprio texto que está a ser dito, dado que neste se aborda uma série de estereótipos sobre as práticas e representações das culturas gay e "hetero", que podem, desta forma, ser percepcionadas como verdades absolutas e não categorias tipificadas. E esta indefinição pode, sobretudo, levar o espectador a confundir uma criação que se quer politizada com um simples manifesto de glorificação do gay português.
Um espectáculo em que a estratégia camp acaba por não ser totalmente assumida.
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