Quatro estudos clínicos em fases II e III avaliaram a eficácia da vacina. No total, 20.541 mulheres, entre 16 e 26 anos, de diversas partes do mundo. Entre elas, três mil brasileiras, de 14 centros clínicos de várias regiões do País. Os números finais, utilizados para aprovação nos Estados Unidos (EUA), foram bastante favoráveis. "Trata-se de um avanço muito importante. Podemos comparar o surgimento da vacina ao anticoncepcional oral. Vai modificar a história da mulher", relata Bernadete Nonnenmacher, ginecologista do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), que participou dos estudos para o desenvolvimento da vacina.
As mulheres envolvidas no estudo foram divididas em dois grupos de forma aleatória. Durante três anos, 50% receberam a vacina e o restante, placebo (substância sem efeito medicamentoso). Os resultados foram os seguintes: a vacina impediu em 100% das pacientes os cancros do colo do útero; em 95%, as neoplasias cervicais de baixo grau; em 99%, as verrugas genitais e em 100%, os pré-cancros. "É uma vacina de impacto mundial, mesmo em países desenvolvidos onde a prevenção é adequada. Além disso, é preciso frisar que essa é a primeira vacina contra um cancro", explica David Salomão Lewi, médico infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A vacina, do laboratório Merck Sharp & Dohme, é classificada como tetravalente, pois previne contra os quatro tipos mais frequentes de HPV (6, 11, 16 e 18). Os tipos 16 e 18 são responsáveis por cerca 70% dos casos de cancro do colo do útero (quando causado pelo vírus), já os tipos 6 e 11 causam em torno de 90% das verrugas genitais. A função da vacina é estimular a produção de anticorpos para cada subtipo de HPV. A proteção depende da quantidade de anticorpos produzidos pela pessoa.
O QUE É HPV?
O contágio pelo HPV (vírus do papiloma humano), em relações sexuais sem proteção, é um dos principais factores desencadeantes da doença e de lesões - na pele ou mucosa - precursoras nos órgãos genitais masculino e feminino. Normalmente, elas têm crescimento limitado e regridem de forma espontânea. Existem mais de 200 subtipos diferentes de HPV, mas somente um grupo reduzido estão relacionados com cancro.
Embora as infecções clínicas mais comuns estejam nos órgãos genitais, estudos comprovaram que, embora de forma rara, os vírus podem ser encontrados na pele, laringe (cordas vocais) e no esôfago. Outro dado importante é com relação ao cancro do colo do útero. Apesar de o vírus HPV ser encontrado em cerca de 90% desse tipo de tumor, somente uma pequena parcela das mulheres infectadas desenvolverá o cancro. Estimativas apontam que esse número seja inferior a 10%.
O uso da preservativo durante a relação sexual diminui a possibilidade de transmissão do HPV, mas como podem existir zonas de pele infectadas não cobertas pelo latex não é possível evitar a 100% a transmissão. Por isso, a multiplicidade de parceiros aumenta o risco de contrair o vírus. Grande parte das infecções é assintomática e de caráter transitório, o que faz com que muitas pessoas não saibam que estão contaminadas. Quando surgem lesões ou verrugas, diversos tratamentos podem ser oferecidos, mas isso depende da avaliação médica. Até o momento, a medicina não dispõe de nenhum tratamento eficaz para o mal.
COMO É O TRATAMENTO
Estudos indicam que até 80% das mulheres, com vida sexual ativa, serão infectadas por algum tipo de HPV em determinado momento da vida. Diante desta realidade, os estudos que avaliaram a vacina foram conduzidos somente com mulheres que não estavam infectadas. Os médicos defendem que o medicamento seja aplicado antes do início da vida sexual.
Para a imunização são necessárias três doses, sendo a segunda aplicada um mês após a primeira e a terceira, e última, ministrada seis meses depois da segunda. A aprovação do FDA é destinada a mulheres entre 9 e 26 anos de idade. Durante o acompanhamento não foram observados efeitos colaterais graves. "O que aconteceu foi o normal, uma dor leve no local da aplicação, dor de cabeça e febre ligeira. Ela é super segura", informa Bernadete.
Para aprovar a vacina com essa indicação etária, o laboratório submeteu ao FDA estudos com meninas entre 10 e 15 anos de idade em comparação com adolescentes e jovens adultas entre 16 e 23 anos. Os resultados foram bastante semelhantes e motivaram o órgão norte-americano a estender a aprovação. Outro ponto importante relacionado à vacina diz respeito à mulher infectada. Os médicos informam que se a paciente estiver infectada somente com um tipo de HPV, vale a pena tomar a vacina para se proteger dos demais.
VACINA NÃO DESCARTA PREVENÇÃO
Esse tipo de vacina é um marco na prevenção de doenças sérias e que causam um trauma psicológico muito grande nas mulheres. Entretanto, não acaba com a necessidade de se prevenir com o uso de preservativo e de exames ginecológicos. "A prevenção deve continuar. Só que, uma vez instituída a aplicação da vacina, haverá queda de infecção de HPV e de lesões atribuídas ao vírus", informa Lewi. O mesmo alerta é dado pela ginecologista do Rio Grande do Sul. "A vacina previne contra quatro tipos. Embora sejam os mais freqüentes, ela não libera as mulheres do rastreamento clínico, pois existem outros tipos de HPV", orienta Bernadete.
SERVE PARA HOMENS?
Inicialmente, a aprovação do FDA é destinada a mulheres. Estudos, porém, já estão em curso para avaliar a eficácia da vacina em homens. Segundo informou a ginecologista Bernadete Nonnenmacher, inicialmente serão acompanhados homens heteros e homossexuais. A intenção é verificar a performance do medicamento na prevenção de infecções no pénis e no ânus. A partir do próximo ano, os resultados destes estudos devem ser apresentados. "Eu mesma já estou vacinando alguns homens. Mas ainda estamos estudando os efeitos", informa Bernadete.