Não é que as obras de Perry estejam isentas de polémica - os seus temas de eleição giram em torno do abuso sexual de menores, comportamentos sexuais desviantes, guerra, crime -, mas os favoritos deste ano eram os "infames" irmãos Jake e Dinos Chapman, célebres pelas suas esculturas provocadoras em poses de sexo explícito ou recuperando o simbolismo nazi. Grayson Perry, nascido em 1960, criou um alter-ego enquanto travesti, Claire, que nos últimos anos tem integrado no seu trabalho como artista plástico, em peças como "Coming Out Dress", criada para uma "performance" (é outra das suas facetas artísticas) em 2000. Foi, aliás, travestido de Claire que Grayson Perry aceitou ontem o Turner 2003, numa cerimónia realizada na Tate Britain, em Londres, e difundida em directo pela estação Channel Four. Envergando um vestido púrpura com laços e folhos, Perry agradeceu à mulher, afirmou-se "estupefacto" e brincou: "Bem, já estava na altura de um ceramista travesti ganhar o Prémio Turner". Uma das razões porque se veste de mulher, explicou o artista em ocasiões anteriores, é a sua "falta de auto-estima, jogando com a imagem da mulher que é vista como pertencendo a uma classe secundária". "É como a cerâmica", acrescentou, "que também é considerada como uma coisa secundária". É a sua proposta subversiva: a representação de ideias e temas que desafiam a moralidade em peças "clássicas" como vasos e jarras, convencionalmente decoradas com flores ou motivos geométricos. "We've Found the Body of Your Child" (2000), um dos trabalhos exibidos na exposição dos finalistas do Turner 2003, na Tate, questiona a demonização dos pedófilos pelos "media": uma mãe angustiada é representada ao lado do seu bebé morto, e próximo deles, um homem, que parece ser o autor do crime, é visto a afastar-se. Perry recorre a várias fontes, incluindo a pintura de Brueghel, "Caçadores na Neve" (1565) e a canção de Tom Waits "Georgia Lee", em que uma mãe fala da sua criança assassinada, além de apontar estastísticas que mostram que 90 por cento dos homicídios infantis é cometido pelos progenitores. As cores fortes e alegres das suas peças contrastam com os temas assustadores, que revelam a sua obsessão por motivos explorados pela imprensa tablóide - escândalos sexuais, crianças desaparecidas, crimes. Diz o artista: "Muito do meu trabalho segue uma táctica de guerrilha. Tento criar algo que se dirija ao olho como uma bela peça de arte mas que, num olhar mais atento, revele um carácter polémico ou ideológico. Não pretendo sacrificar a estética à ideia; quero que as duas sejam tão próximas que coexistam em harmonia ou, pelo menos, que haja um 'frisson'". Além de Perry e dos irmãos Chapman, entre os finalistas contavam-se a escultora Anya Gallaccio e o videasta irlandês Willie Doherty, o mais velho dos quarto, já nomeado para o Turner em 1994. Estão todos em exibição na Tate, desde 29 de Outubro e até 18 de Janeiro, numa exposição que este ano inclui um aviso a desaconselhar visitantes com idade inferior a 16 anos. Instituído em 1984, o Turner destina-se a um artista britânico ou que resida e trabalhe no Reino Unido, com menos de 50 anos, que se tenha destacado através de uma exposição nos 12 meses anteriores à nomeação. É o maior acontecimento no mundo das artes britânicas, gerando anualmente o debate em torno do que constitui uma obra de arte e acusações de que os artistas contemporâneos só procuram chocar. No ano passado, o ministro britânico da Cultura , Kim Howells, resumiu as obras apresentadas pelos finalistas como "uma treta fria, mecânica e conceptual".