Para além de assinar a realização e o argumento, Nolot assume também o papel protagonista, na pele de Pierre Pruez, um homem de 58 anos que atravessa uma crise depressiva na sequência da morte do seu companheiro e protector de longa data, agravada pela sua condição de seropositivo por mais de 20 anos.
Antigo prostituto, Pierre debate-se agora com as angústias da doença, do envelhecimento e da solidão. Vive sozinho num exíguo apartamento parisiense, apenas saindo do seu exílio domiciliário para se encontrar com um ou outro amigo, embora se queixe de que já ninguém lhe telefona - na lamentável ditadura da felicidade que vivemos, um deprimido é infelizmente quase visto como um lazarento de quem todos fogem.
Para aliviar a tensão da sua solidão, paga a jovens prostitutos para ter sexo, mas parece já não encontrar nele grande satisfação (talvez os efeitos colaterais da medicação que toma lhe provoquem uma diminuição da libido, ou, como diz a um velho amigo, talvez haja sublimado os impulsos sexuais por se encontrar numa fase em que carece sobretudo de afecto). Faz psicanálise três vezes por semana, confessando ao analista que contempla o suicídio.
Vemo-lo sobretudo em casa, insone, indisposto, abúlico, frustrado por não conseguir escrever (é escritor mas encontra-se bloqueado), dormindo, fumando, bebendo café. O seu corpo abatido e o fácies inexpressivo espelham a morte que lhe vai na alma (todo um estado de quase "zombificação" característico de quem sofre de depressão).
Avant que J'Oublie é um retrato seco, duro e pessimista da condição de alguém numa idade em que o idealismo e hedonismo da juventude há muito se tornaram impossíveis, e o prematuro fantasma da morte é uma presença que assombra e priva de ânimo aqueles que de algum modo sempre viveram na sua sombra. Uma confissão brutalmente honesta das angústias existenciais de um homem devorado pelos seus fantasmas que, pese embora o buraco negro algo narcísico em que se encontra, acredita ainda na felicidade (sobretudo na dos outros).
O Pierre de Jacques Nolot é uma espécie de "put" (como lhe disse um dia Roland Barthes), alguém "sem ligações, sem lugar, sem raízes". Um lázaro sem grande esperança de ressurreição, não apenas porque se encontra doente física e espiritualmente, mas também porque há indubitavelmente um obscuro anátema que ainda hoje impende sobre os homossexuais, principalmente sobre aqueles que não se vergam à triste cobardia do conformismo.
(por Nuno Carvalho, com edições PortugalGay.PT)