Este forte referente do mundo de Almodóvar, a que poderemos acrescer o grafismo multicolor do genérico ou a predominância de uma estética "camp", na definição de personagens e situações, aparece ao serviço de uma estratégia de constante "pastiche", mas nunca atinge a profundidade do original: ficamos quase sempre no domínio da comédia rasteira, na apresentação óbvia do sexo (veja-se a sequência inicial da mãe ninfomaníaca na casa de banho do comboio, prolongada no reencontro com o galã de ocasião no restaurante) e numa exploração equívoca de uma moralidade transgressora: os casais homossexuais, explorados na ficção (todos homens), embora procurem ultrapassar o estereótipo, sobretudo na personagem do deputado que teve uma aventura "extra-conjugal" com o psicanalista da mãe, ficam à beira do anedótico, sem espessura nem complexidade.
Por outro lado, o projecto do filme passa pela representação de outras cinematografias de língua espanhola, puxando pela personagem-tipo da mãe possessiva, vinda da Argentina (divertidíssima Betiana Blum), e introduzindo, um pouco a martelo, o cubano Jorge Perrugorría (o protagonista de "Morango e Chocolate") na figura do cozinheiro grevista, amante da personagem de Carmen Maura. Este catálogo de situações sociais exemplificativas mais não faz do que adequar-se a vários tipos de público, em projecto comercial exposto: enquanto Almodóvar aspira a desenhar uma metáfora da Espanha moderna, Manuel Gómez Pereira (autor do curioso "thriller" "Entre las Piernas", de 1999), aproveita um pouco o modernaço para tirar dividendos de uma história "escandalosa", na moda.
O melhor de tudo, nesta divertida, ainda que algo desequilibrada, comédia, reside, é claro, na reunião das "rainhas" (não referindo-se a um óbvio jogo de palavras, a partir do termo "queen", para homossexual efeminado), as cinco mães, entregues a grandes estrelas do cinema espanhol (e argentino): o "overacting" de Betiana Blum, na destravada Ofelia estabelece perfeito contraponto com a concisão de Mercedes Sampietro, numa gama variada de registos a roubar a atenção do espectador para um "festival" de interpretação.
O pior aparece nítido na sequência em que Marisa Paredes desce a escada de casa, com a câmara a fazer um mini-spot publicitário, sempre interessada num efeito primário de captar a acção de forma imediatamente eficaz: a estética publicitária aflora em outras sequências, nomeadamente a do casamento conjunto e as da cozinha do hotel de Carmen Maura, reduzindo, por vezes, o impacte do humor convocado a um pálido arremedo de "sit-com" televisiva. No entanto, para o melhor e para o pior, "Rainhas" revela a capacidade de um certo cinema industrial espanhol para fabricar um produto vendável e "em cima do acontecimento". [Mário Jorge Torres ]