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A psicóloga Gabriela Moita tem vindo a desenvolver um vasto trabalho na área da sexualidade e é co-responsável, com Júlio Machado Vaz, por um programa televisivo sobre amores difíceis. Tem centrado a sua investigação na área da homofobia, de modo a poder perceber como se pode anulá-la, desmontando a sua construção, e permitir que as pessoas possam viver num mundo que dê possibilidades a todos. Em 2003, foi laureada com o Prémio Arco-íris, instituído pela Associação ILGA Portugal, como forma de reconhecimento e incentivo à sua luta contra a homofobia. No final da sessão, falou à KORPUS sobre a sua luta e algumas outras questões de interesse geral.
Gabriela Moita


Que significa este prémio para si?

Sinto-me lisonjeada por reconhecerem que a minha luta não é só minha. Mas sinto pena de que haja necessidade de existir este prémio, oferecido a alguém que combate a homofobia. Ou seja, é pena que vivamos numa sociedade onde a homofobia ainda esteja presente. Mas sinto-me gratificada pelo reconhecimento de um trabalho que é feito, não só para uma população específica, mas para a população em geral. A homofobia toca-nos a todos e é uma agressão a qualquer pessoa.

Então, a sua luta dirige-se a toda a população em geral...

0 meu combate não é só dentro do gama de homofobia relativamente à população LGBT. É à homofobia de que todos nós somos alvo. Sobretudo quando toca, não especificamente nos questões do pessoa de quem eu gosto, mas daquilo que eu posso ser. A homofobia também nos é dirigida quando não nos comportamos como era suposto comportarmo-nos, porque somos homens ou mulheres. Isso significa que vivemos relativamente armadilhados e impedidos de ser quem somos.

Que motivações a levaram a pegar na homossexualidade como objecto de trabalho?

0 meu objecto de trabalho é a sexualidade em geral. Os rótulos são coisas que nos põem socialmente. Porque gostamos de pessoas do mesmo sexo, passamos a ser homos. A minha motivação de trabalho são as questões da sexualidade porque a sociedade estrutura-se através do sexualidade. Ao fim e ao cabo, são as questões sociais. Em particular, este núcleo que dicotomiza a sociedade e que a estrutura imediatamente através do sexo, porque divide logo os homens das mulheres. E ao fazer isso, distribui uma série de papéis. Cada uma dessas pessoas deve gostar por ser homem ou mulher. Portanto, não podia deixar de focar, e abordar também, as questões ligadas às orientações.

Sendo assim, porque não estuda, dentro das questões globais da sexualidade, mais o género do que a homossexualidade?

Como disse, o mundo está dicotomizado e dividido entre as questões de género. Somos discriminados por sermos homens ou mulheres. Mos a discriminação torna-se ainda mais forte quando as pessoas, além de serem homens ou mulheres, gostam dos pessoas do seu sexo. Portanto, tenho-me dedicado a esta área pela incompreensão das razões pelas quais essa discriminação existe.

Está a tentar entender o porquê da homofobia? O porquê de as sociedades se preocuparem tanto em discriminar as pessoas?

Exactamente. O impacto do homofobia tem levado a crimes gravíssimos, que não são só aqueles monstruosos que conhecemos, mos aos que implicam que, no dia-a-dia, não se permita às pessoas viverem a vida delas de acordo com as suas motivações. Isso é crime, no minha perspectiva.

Como encara o escândalo da pedofilia? E o porquê da insistência em conotarem os homossexuais com a pedofilia?

Essa insistência é uma estratégia social para se denegrir um comportamento sexual, ou um sentimento afectivo. Tenta-se denegrir o sentimento afectivo o mais possível até à destruição, levando as pessoas que têm determinado sentimento a parecer às outras que até são criminosas, para que possam criar ainda mais aversão. Ou seja, o que está a acontecer em termos sociais no sociedade portuguesa actual é uma forma de construir e de alimentar a homofobia. Há uma estratégia de misturar todas estas coisas e pô-las no mesmo saco. Isto é tanto mais grave porque as pessoas não estão a ser criminalizadas pelos seus crimes. 0 crime é o abuso. Há pessoas abusadoras, independentemente de abusarem de pessoas do mesmo sexo ou de pessoas de sexo diferente. São abusadoras. São criminosas. É nisto que se deve falar. Relativamente aos abusos, penso que todos nós estamos de acordo face à necessidade de criminalizar as pessoas que os cometem. Mas são coisas distintas. Quando chamamos outros nomes a abusadores, não estamos a colocá-los no verdadeiro papel de criminosos. Por um lado, estamos a desvalorizar aquilo que é efectivamente crime. Por outro lado, estamos a transformar outras pessoas que não têm nada a ver com isto em criminosas. Mas isso é uma estratégia social às vezes utilizada, quando se pretende denegrir determinado grupo social.

Como vê actualmente a situação dos homossexuais em Portugal?

É muito bom ter havido, em Portugal, grupos estruturados com capacidade de intervenção, de mobilização política e de denúncia; associações que lá se organizam, que perceberam o seu poder e estão a ser capazes de denunciar a discriminação de que são alvo, ajudando, ao mesmo tempo, a sociedade portuguesa a percebera existência desses e de outros crimes que habitualmente não aparecem visíveis. Por outro lado, ao nível social, há uma maior visibilidade dos discursos negativos e homofóbicos. Mas tudo isso também tem a ver com uma regressão social geral, ou uma viragem a posições mais conservadoras. Começam a aparecer, cada vez mais, discursos a defender o modelo de família estruturado de uma forma tradicional e patriarcal - uma sociedade que praticamente já não existe, ou já não é maioritária. Portanto, penso que socialmente estamos a viver um momento ambíguo. Houve muitos conquistas, as conquistas estão aí, e não há retrocesso relativamente a essas conquistas. Mas há emergência de posicionamentos negativos, mais do que havia há uns anos atrás.

Isidro Sousa

Esta entrevista foi publicada no Nº22 da Revista Korpus
Transcrição autorizada para o site PortugalGay.PT por Isidro Sousa.
Foto: Isidro Sousa.


 
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