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Introdução

António Serzedelo: Carlos Castro é uma figura que não precisa de apresentação porque é aquilo a que se chama normalmente uma figura pública. Ele está em inúmeros programas, ele intervêm em inúmeros espectáculos e além disso tem uma presença permanente num juri de um célebre programa de televisão. Olá Carlos Castro

Carlos Castro: Olá. É como muito prazer que aqui estou. E espero que a nossa conversa possa de algum modo servir para algo que as pessoas queiram ouvir ou de alguma forma saber.

AS:Obviamente que esta conversa tem um largo especto de audiências, nós vamos falar certamente de alguns problemas que abordam as sexualidades das pessoas mas vamos também falar das nossas vidas dos nossos casos pessoais e o seu caso é um caso pessoal interessante.

CC: Pessoalíssimo.

Angola e os Refugiados de Guerra

Carlos Castro

Eu não gosto
dizer que seja
uma figura triunfante
AS: Pessoalíssimo Exactamente! Você é um homem com bastante coragem, que veio de Angola há alguns anos em plena decolinização com inúmeras dificuldades e hoje é uma figura triunfante na sociedade portuguesa, podemos dizer...

CC: (com um sorriso) Eu não gosto dizer que seja uma figura triunfante eu penso que de facto passei uma fase muito má quando vim de Angola, como muitas outras pessoas que vieram, de facto somos refugiados de guerra e que eu continuo a dizer e que até hoje o Estado Portguês, eu não preciso eu não quero que o estado português repare absolutamente nada em mim, espero é que repare nos muitos milhares, centenas de milhares de pessoas que ficaram sem os seus bens e em todo o mundo aonde houve descolonizações pagaram essas indeminizações às pessoas que eram refugiadas de guerra. Porque eu nasci em Angola, os meus pais são angolanos, os meus avós eram angolanos, por isso...

AS: Não tenciona voltar a angola?

CC: Nunca, uma vez era para ir com o Dr. Mário Soares quando da presidência da república, mas eu preferi ir ao programa do Herman que era o program especial do Parabéns nesse dia, e já estava preparado há meses. Depois também estive para ir com o Ramalho Eanes e com o Jorge Sampaio também não cheguei a ir

AS: Provavelmente seria recebido com honras principescas...

CC: Não sei, não sei... acho que não seria bem assim... Não tenho uma grande apentência para voltar a Angola.

AS: Vamos ultrapassar essa fase tão dolorosa para todos e passar à frente. Você chegou cá já sabemos que com uma mão à frente outra atrás mas não chegou nú.

CC: Não! Chegei com uns jeans, umas sapatilhas e uma t-shirt, mais nada.

AS: Bom... hoje já está muito bem vestido, trás roupa de marca. E então entretanto chegou, e eu sei que para iniciar a sua vida de uma forma honrada teve que começar a fazer espectáculos.

O início nos espectáculos

Carlos Castro

Fiz dois anos,
ganhava 100$00 por
dia, vivi e sobrevivi
CC: É verdade. Eu concorri a um concurso, que as pessoas lembram-se com certeza, da Cornélia em setenta e tal. E eu ganhei o concurso todo, total, ganhei a prova escrita, a prova cantada, a prova de travesti, ganhei tudo, tudo. A Guida Scarlate na altura tinha o Scarlate, e o Scarlate estava no auge e ela tinha estreado as Girrrrls que foi um fracasso total naquela noite tinha sido um fracasso para a imprensa e então encontrei-os muito desolados. Eu conhecia-os mal, só conhecia a Rute Briden que na altura era Rute Baton e que era uma pessoa muito amiga desde essa altura e que me ajudou bastante. E entretanto...

AS: E você também lhe pagou com inúmeras homenagens que tem feito...

CC: Sim, sim. E então a Guida convida-me para refazer o espectáculo. Eu fiz uma versão minha e que ficou um ano em cena. Eu metia um palhaço, que eu dizia ser a consciência de um travesti, não sei se um travesti tem consciência e depois comecei a pensar nisto muitas vezes e um dia uma das estrelas faltou e tive que eu deixar de ser o palhaço e lembro-me que pintei-me e fiz a capuchinha uma coisa da música ligeira portuguesa. Acho que ridicularizava bastante o personagem, porque até chamava de Miss Pigui, era um burlesco que eu gostava muito de fazer, e quem me conhecia e me conhece sabem que só uma pessoa muito triste e muito só, e as pessoas pensam como é que fazia aquilo com muita graça. E fiz dois anos, depois fiz o Scarlate, o Rocambol Tramblot, com o Rocha que já morrei como sabem, fiz muitos espectáculos, que foram grandes êxitos na aquela altura. E tenho críticas muito boas daquela época. Fiz dois anos, ganhava 100$00 por dia, vivi e sobrevivi. Depois houve uma jornalista da Nova Gente, a Maria Alvira Bento que viu um espectáculo que era o 100 dias no poleiro em rotação alterada, que era uma grande piada à Maria de Lurdes Pintassilgo que tinha ficado 100 dias no poleiro precisamente, foi muito giro. Aliás a Natália Correia esteve presente nesse espectáculo gostou imenso. E a Maria Alvira convidou-me para escrever para a Nova Gente, que eu já escrevia em África e ela conhecia-me de África. E prontos de colaborador, fiquei um acérrimo jornalista, tirei a minha carteira profisional em 77 no sindicato, tenho-a há 23 anos, e prontos foi isso aconteceu.

A Literatura

AS: Bom, você contou tão depressa tantas histórias que havia muitas pontas por onde pegar. Vamos ver se pego numa dessas pontas que deixou caídas. Você disse que era uma pessoa muito triste e muito só, mas não dá essa imagem, dá a imagem de uma pessoa contente... eu sei que você faz poesia...

CC: Faço, aliás publiquei um livro que está esgotadíssimo, e que por exemplo esta comunidade toda aliás à dias houve uma esposição no teatro da comuna, e que eu até tive muita pena que o livro não tivesse lá esposto. Quem escreveu o prefácio foi Joaquim Pessoa e que faz uma introdução em que diz que eu vou mais além no que escrevo do que da Florbela e do António Boto... sem narcisismo do António Boto que eu não tenho obviamente. Acho que está um prefácio muito bonito. Acho que aquele livro seria também como o Guilhermo Mello escreveu na altura, um belíssimo livro, o primeiro livro que foi como uma chibatada neste País como se sabe. Eu acho que este livro de poesia nesta época é muito importante.

AS: Mas você no outro dia falou-me de outro livro.

CC: Um livro que já escrevi sobre Ruthe Briden, para a Don Quixote. Vai ter apresentação de um dos maiores escritores portugueses de sempre, vai sair em Outubro, vai-se chamar A Rainha da Noite. O livro já está escrito, já está entregue, é um livro com uma capa em preto e branco e vai ter trinta e oito fotografias. A editora diz que está um belíssimo livro, eu conto toda a vida da Ruth Briden, enquanto homem e enquanto travesti.

A Mágoa e o País que temos

Carlos Castro:

Acho que sou
uma pessoa muito
magoada pelo
país que temos
AS: Mas você não me respondeu à questão, você diz que é um homem muito só, e muito triste... Porquê?

CC: Acho que sou uma pessoa muito magoada pelo país que temos, acho que nós somos um país de muitas invejas de muitas raivas. As pessoas armaguram-se muito com a vida dos outros, e depois acho que criam problemas para o outro que não tem nada a ver com isso. Se alguém sobe um bocadinho, por exemplo no meu caso se eu comecei a aparecer na televisão as pessoas dizem: "ah, ele é um homem de sucesso", eu não acho que seja um homem de sucesso, eu acho que fui uma pessoa que apareci que tive voz, deram-me alguma voz para poder falar e foi isso. Acho que não sou uma pessoa de sucesso, dizem que tenho poder, eu não tenho poder nenhum é mentira, não acredito nisso. Continuo a dizer sou uma pessoa muito só, muito triste e magoada até com o país que temos.

AS: Mas você continua a ser convidado, continua a escrever...

CC: Claro, sou convidado para tudo obviamente. E muitas das coisas não vou. Por exemplo esta semana estamos em férias e temos a estreia do Teatro Aberto e estarei lá concerteza na primeira fila...

O Amante e a mulher dele

AS: Mas você é só porquê? Porque não tem namorado, porque não é compreendido... porque as pessoas não o estimam tanto quanto você gostaria?

CC: Não, eu tive um caso, e que se me viu na televisão no programa de Margarida Marante, quanto foi as uniões de facto se bem se lembra, a minha posição é muito pessoal. E eu falei desse caso, foi um caso que tive durante 15 anos e que saí completamente magoado, porque era uma pessoa casada, aliás uma pessoa que casou depois e que eu fui magoado também pela mulher e pela família inclusivé. E cheguei a ir a Tribunal e que depois retirei porque não me interessava.

AS: E é daí que vem a sua mágoa...

CC: Não foi só essa mágoa. Hoje em dia se assumirmos numa televisão os nossos sentimentos somos crucificados se as pessoas não compreenderem.

A Crónica Social

Carlos Castro:

Porque é que
então vou perguntar
a uma figura pública
se é homossexual e
a um político não
perguntam?
AS: Carlos, você escrevendo poesia é também um escritor do efémero. Porque você escreve crónica social, que a madame tal estava chique que o senhor tal...

CC: É verdade. Eu já não escrevo bem esse tipo de crónica. A minha crónica é mais uma crónica de costumes, de há uns anos a esta parte. Eu acho que tenho uma forma de escrever, ridicularizar determinados personagens da vida portuguesa, não entro muito nessa do vestir, do pentear... foi uma fase que achei muito engraçada em 77 quando eu apareci com um pseudónimo, era um pseudónimo feminino que eu usava, mas depois, que as coisas sabem-se todas neste país, e pronto... foi isso achava muito engrançado. Agora não, não acho piada. E acho que uma crónica social, uma crónica de costumes é realmente para dizer a verdade, por exemplo dizer que o Ministro da Cultura anda com a Bárbara Guimarães porque ele é o Ministro da Cultura e tem que assumir que anda com a Bárbara Guimarães.

AS: Mas qual é o mal do Ministro da Cultura andar com a Bárbara Guimarães?

CC: Porque eles escondem-se, porquê? E eu pergunto porque eles se escondem? Porque é que então vou perguntar a uma figura pública se é homossexual e a um político não perguntam? É a mesma história.

AS: Diga-me aqui uma outra questão... essa fase da sua vida em que fazia crónica social não lhe trouxe dissabores?

CC: Eu nunca tive grandes problemas com pessoas, com crónicas que eu tivesse escrito e acho que muita gente até achou piada...

AS: Aqueles que foram elogiados, os outros...

CC: Não, não, não... Se eu quisesse e se me tivesse vendido, mas eu nunca me vendi.

AS: Diz-se que alguns colonistas são pagos para falar de A, B ou C e que algumas pessoas pagam para que as fotografias delas saiam...

CC: Para que apareçam, aliás é o que eu digo! Eu a pouco tempo estive na CNL no programa da Luisa Castelo Branco e foi abordado esse tema e eu saí cruxificado por vária revistas, porque eu disse que havia realmente lobbies dentro das revistas. Porque não é possível fazer-se a imagem de uma pessoa, constantemente todas as semanas, a aparecer, a aparecer, constantemente, e aquela pessoa andar como se estive na camisa e nas calças do personagem que escreve aquelas crónicas.

AS: Portanto nessas revistas mundanas são pessoas que pagam aos jornalistas ou à revista para que as fotografias delas saiam com alguma consecutividade.

CC: Eu acho que há uma regra de ouro em algumas revistas cor-de-rosa, acho que é tudo muito peneirado, tudo muito bem feito. Mas há outras revistas que estou convencidíssimo que isso acontece.

AS: Mas você está convencido ou tem a certeza?

CC: Do convencimento à certeza não vai muita grande distância... Cá em Portugal quando se fala de uma coisa é porque essa coisa já aconteceu de certeza.

AS: Já agora fale-nos numa crónica que tenha trazido alegrias e de uma outra que tenha trazido chatices.

CC: Tantas, tantas... eu mudei de escritório, e andei durante um mês a deitar do 2º andar ao rés do chão, milhares e milhares de revistas escritas por mim e coisas escritas a meu respeito e fiz uma limpeza total... por isso já vê.

AS: Mas agora quem quizer fazer o historial da sua vida...

CC: Não, não. Há um livro meu de crónicas de costumes, que é o Chique e o Choque, lançado aí a quatro anos...

AS: Mas está a fugir à pergunta ou esqueceu-se... alegrias e tristezas...

CC: Tristezas... tristezas foi quando escrevi sobre alguém que desapareceu, pessoas muito importantes a quem não se deu valor. Actores grandes por este país e nunca se olhou direito a essas pessoas, acho.

A Gala dos Travestis

Carlos Castro:

Se aparecem 30
ou 40 a dizer:
eu quero participar
eu não posso dizer
vão-se embora!
AS: Vamos agora entrar num outro campo, porque você se tornou conhecido, e simpático a muita gente porque organiza um grande evento que interessa à comunidade gay e à comunidade em geral, que é a noite dos travestis que é um dos grandes apanágios da Abraço. Diga-nos lá como você entra aí, o que lá faz...

CC: Isso aconteceu, porque eu fiz no Trumps em Lisboa, um espectáculo logo a seguir aquele boom enorme que houve das pessoas conhecidas que morriam de SIDA, porque não é só os homossexuais que apanham a SIDA, como se tentou propagar neste país que era só uma doença de maricas...

AS: Não foi só neste país...

CC: Sim, mas neste país foi muito... total. E entretanto fiz um espectáculo chamado "Nós somos o que somos", e que teve um êxito enorme, teve um ano em cena no Trumps, e que o protagonista era precisamente a Ruth Briden. Aquele espectáculo teve um êxito muito grande de público, de imprensa, foi muito bom, foi muito bom o espectáculo. E entretanto a Margarida Martins e a Drª Maria José da Abraço, convidam-me para um jantar e perguntam-me como é que eu via fazer-mos uma gala dentro de uma perspectiva de travestis. E eu disse que sim, tinha muito gosto. Entretanto o Dr. João Soares, presidente da câmara aceitou de braços abertos a ideia, deu logo o S. Luis de imediato. Eu posso dizer que este ano é a oitava gala (se eu estiver inteiro, esperemos que sim...). E eu faço a oitava gala sem um tostão, que eu não tenho ajuda nenhuma para fazer esta gala, só a vontade grande, grande, dos travestis, dos transsexuais, de toda a gente, e de outros artistas que não são desta área e que colaboram. Aquilo é um trabalho muito grande, eu sei que é muito, muito pesado e eu digo sempre que nunca mais faço, por chateio-me muito, aborreço-me tanto, porque como se sabe todos os artistas, os travestis querem entrar e é impossível. Porque uma vez fiz um espectáculo que terminou às três da manhã e eu fui cruxificado, até pela comunidade gay. Eu acho que não tenho a culpa, porque se aparecem 30 ou 40 a dizer: eu quero participar eu não posso dizer vão-se embora. É isso que toda a gente tem que ver que quando eu faço as coisas, é com toda a hombridade, a maior das boas vontades, é para ajudar. E foi sempre isso que eu fiz. E inclusivé o dinheiro da bilheteira, nunca fiquei com o dinheiro da bilheteira, e esse foi sempre entregue à Abraço.

AS: E é bastante o que a bilheteira faz?

CC: São milhares de contos que se ganha naquela noite, isso posso dizê-lo. Porque eu vendo 200 bilhetes, além de preparar o espectáculo, eu telefono do meu telefone e vendo 200 bilhetes a figuras públicas.

AS: Quanto faz cada bilheira?

CC: Uns milhares, uns 4 ou 3 mil e tal contos.

AS: E qual o destino específico desse dinheiro? Você controla?

CC: Não controlo... porque o dinheiro é entregue à Abraço e a Abraço poderá depois reponder sobre esse dinheiro. Mas eu creio que, eu sou uma pessoa de boa crença...

Hoje em Dia

Carlos Castro:

Muitos manequins
não queiram fazer
passagens em
discotecas gays.
Mas eu acredito
que se me pedirem
que eu consigo
convencê-los
AS: Bem, vamos falar de outras coisas, de outros espectáculos... Hoje em dia o que você faz?

CC: Escrevo numa revista que é a TV+, tenho lá uma coluna, que sou muito bem pago para escrever aquela coluna. Não escrevo em mais lado nenhum. Não é que não me tenham convidado... não gostaria de fazer a crónica social ou de costumes, gostaria de escrever outras coisas. Como tenho feito no Diário de Notícias ao domingo, biografias de 7 ou 8 páginas, ou reportagem. E tenho os meus espectáculos, sou um produtor de espectáculos, que gosto muito de fazer. Tenho um grupo de giríssimas raparigas. São quatro mulheres espantosas e um rapaz. E então temos feito espectáculos por todo o país... faço muitos shoppings, muitas produções de moda. Acabei de fazer em Setúbal um grande espectáculo que foi a Rainha do Sado e que teve um grande impacto nas piscinas da Câmara Municipal.

AS: Eu no outro dia, tive aliás num espectáculo consigo, com a nova loja que abriu com roupa de manequins de homens que foi um espectáculo muito giro, muito privado...

CC: Privado! Aliás foram três dias privadíssimos. Eu tive imensos telefonemas, pediram-me imenso...

AS: De onde é que você desencantou aqueles belos espécimes?

CC: Fui a uma agência. Tenho uma relação de amizade muito grande com a maior parte dos manequins, e então foram convidados para fazer aquela passagem.

AS: E aquilo é pago à hora, ...

CC: É pago ao espectáculo, é como se fizessem uma passagem normal. É possível que muitos manequins não queiram fazer em discotecas, principalmente em discotecas gays, não queiram. Mas eu acredito que se me pedirem que eu consigo fazer, talvez por respeito a mim, por amizade, e o António sabe, na Gala dos Travestis tenho tido dezenas de manequins a desfilarem quase nús. Nos sete anos isso aconteceu em todas as galas. Este ano não sei se vou meter...

AS: Vai metê-los vestidos ou completamente nús?

CC: Isso é impossível, num país como este...

A Televisão

AS: E agora vamos falar um pouco na sua intervenção na televisão como júri...

CC: O programa deixou de fazer aquela componente de júri, porque não têm tido caloiros, então já não estou aí há coisa de um mês e tal, aquilo era directo ultimamente. Eles pensam retomar no final do ano. É engrançado, eu assumo que aquilo não é o meu formato do meu gosto pessoal. Por exemplo se me perguntarem eu raramente vejo televisão portuguesa, eu estou sempre a navegar, a fazer zapping por outros canais estrangeiros. Eu nunca tinha visto aquele programa, quando o Edilberto me convidou, convidou-me numa altura muito má, precisamente quando tive o problema com a outra minha cara-metade, cara-partida... E então na altura estava sem trabalho, outra vez... e o Edilberto foi a única pessoa que me telefonou, e disse-me: Carlos gostaria muito que fizesse parte do painel para dar credebilidade ao juri. E eu não tinha visto o programa, ouvia críticas muito más. E eu fiquei a pensar e disse: posso dar uma resposta para a semana?. Ele disse tudo bem. Falei com vários jornalistas, podia citá-los todos, jornalistas fabolosos, conhecidos, com grande projecção no país, não houve nenhum que dissesse: "não queiras". Todos disseram: aceita! E uma grande jornalista de televisão disse: mais vale um minuto na televisão que vinte anos em jornalismo a escrever. E eu aceitei. Acho que foi engraçado, ouve muitas pessoas simpáticas que passaram por alí...

AS: Telefonam-lhe muito, admiradores e admiradoras?

CC: Recebi muitas cartas...

AS: Também recebe cartas de amor, ou telefonemas...

CC: Algumas com assédio, telefonas...

AS: E você responde? Uma carta deve ser sempre respondida...

CC: Não respondo... tenho muito receio responder a essas cartas. Porque nunca sei se é uma armadilha, se é a sério. Mas tenho muitas cartas desse tipo. Até mulheres! Que me telefonavam e escreviam para jantar, para aparecer...

AS: Apaixonadas ou admiradoras suas...

CC: Não sei se apaixonadas...

A Comunidade Gay e a Política

Carlos Castro:

Há tantos
políticos homossexuais
neste país.
Imensos...
AS: Já que falamos em armadilhas vamos falar noutro terreno muito armadilhado: a comunidade gay em Portugal. Que avaliação faz, o que você pensa do que se está a passar...

CC: Eu acho que tem havido gente com muita coragem, eu tiro chapeu a várias associações, mesmo a Opus Gay, a Safo... estou a dizer direccionadas para a comunidade. Acho que têm dado a cara têm-se batido pelos problemas que têm acontecido em Portugal. Mas acho que há uma dispersão muito grande das pessoas, quando se fala em comunidade acho que as pessoas deviam estar mais chegadas uma às outras e lutarem pelos seus direitos. E penso que nesta história que ouve no discurso do Papa, que eu não ouvi, não sei bem qual a verdade, qual a mentira, como foi dito. Sei que o Papa fez uma afronta muito grande contra os homossexuais. Que eu estou contra o Papa. Fui sempre uma pessoa contra este Papa, acho que este Papa é um homem insensível, creio que está na demência total, nesta altura, está numa fase que já não devia estar a exercer o seu cargo. Ele é um homem morto, não é um homem com vida, vê-se. É uma imagem terrível, os católicos se o são deveriam ter eles compaixão do Papa, como o Papa disse que deviam ter compaixão dos homossexuais. Eu concordo com aquela questão, que quando vêm as pessoas para a rua, mascaradas, despidas, isso não, esse carnaval não aceito, eu sou completamente contra esse carnaval. Agora, acho que as pessoas, os homossexuais, têm de lutar por todos os seus direitos, por reivindicarem tudo aquilo que lhes é devido, porque eles pagam impostos. Por exemplo: vive com um companheiro este morre, eu conheço montes de casos destes, e as pessoas da família vêm, roubam tudo, levam tudo, como aconteceu recentemente. Engraçado eu estar a fazer esta entrevista, o companheiro da Ruth Briden, era casado e a mulher não falava com ele, odeáva-o há não sei quantos anos, e depois da morte dele, eu sei que essa personagem que desapareceu, e foi à segurança social levantar o subsídio de funeral, que foi pago pelas minhas mãos. E é verdade, isto é que é uma vergonha. Que é preciso gritar, deve-se lutar e não fazer a tal bichisse, mariquisse e as pessoas depois não levam a sério. Eu conheço muita gente que não tem nada a ver com homossexualidade, que aceitam completamente, naturalmente, que isto não é uma doença, é uma opção, as pessoas fazem aquela opção sexual e fazem o que tem a fazer e mais nada. O que não pode haver é esta discriminação muito grande que existe neste país. Aquelas pessoas que dão a cara quantas vezes são discriminadas? E o António sabe perfeitamente disso. Vai uma vez à televisão, e é capaz de haver um estúpido que diga qualquer disparate. E depois o que nos resta fazer? Chegar ao pé dessa pessoa e cortar as pessoa aos bocadinhos? Que é o que eu acho que se devia fazer! Porque a minha posição é esta: eu não admito ser maltratado. Neste momento em Portugal assiste-se a uma vergonha enorme em relação a esta questão da homossexualidade. A classe política ainda não viu bem este assunto, quando há tantos políticos homossexuais neste país. Imensos...

AS: E você sabe quem eles são...

CC: E sei quem eles são, e o António também sabe quem eles são. E realmente, por exemplo, esta questão do Papa. Porque é que a imprensa, isto é que é tão perneciosos. Porque é que não chegaram ao pé de vários políticos e perguntaram: diga-me lá o que pensa de Sua Santidade (como eles dizem), do que ele disse? Não foram perguntar a ninguém da política. Porquê? Porque tiveram medo da resposta. Porque não iam responder concerteza. E isto que está tudo dito! Acho que devia haver uma maior junção das pessoas. As pessoas deviam aproximarem-se mais. Aliás na própria gala dos travestis como há dias estavamos a falar. Devia haver uma maior aproximação de associações inclusivé, com a própria Abraço. Aquilo já é uma coisa tão bonita, tão grandiosa que marca a classe, o mundo gay, que eu acho que todas as associações deviam estar nesta...

AS: Mas você sabe se elas são convidadas?

CC: Não sei porque essa parte não passa por mim. Não faço parte de nenhum lobby...

AS: Falou numa palavra, fala-se muito no Lobby Gay... O que você acha? Acha que existe um lobby gay?

CC: Existe. Não naquelas pessoas que estão a fazer a tal comunhão a tal opção da homossexualidade... mas há realmente um lobby gay: nas revistas, nos jornais, na política, no mundo empresarial, até na Igreja. Eu vou contar uma história engrançada: eu estive há uns anos em Itália, acho que é um dos países mais bonitos da Europa. E estive em Roma numa discoteca, e conheci através de amigos travestis e transsexuais uma discoteca fabulosa em Roma, e conheci um rapaz, que era o Paolo, ele era guarda do Vaticano. Então ele dizia que ele tinha de fugir das saias dos Cardeais, dos Bispos, dos Padres do Vaticano porque andavam sempre a assediá-lo a ele como aos outros. E quem vê na Internet certas histórias escabrosas...

AS: Vamos passa agora para Portugal... e em Portugal há assim alguma história picante que você conheca que nos queira aqui conta?

CC: Sobre homossexualidade?

AS: Sim...

CC: Eu acho que não devo contar. É uma questão de privacidade

AS: Sem falar nomes...

CC: A questão política por exemplo. A questão política: vermos que realmente existem políticos que o são. Eles não tem que admitir que o são, nem o assumir. Mas acho que têm de ter uma palavra para defender os direitos da comunidade. E isso é que é importante.

AS: E isso acontece tanto à esquerda como à direita?

CC: Ah! À esquerda, à direita e ao centro. Eu acho que sim.

AS: O que prova que esta luta é uma luta que atravessa a sociedade portuguesa transversalmente, e que não é uma luta nem de esquerda nem de direita, que é uma luta de direitos humanos que diz respeito a todos.

Para terminar...

AS: Estamos chegando ao fim, Carlos, eu queria agracer-lhe muito o ter estado aqui. E espero que volte...

CC: Claro, mais vezes.

AS: E que nos dê algumas dicas, que oiça às vezes o programa e faça críticas, também nos arrase, e ficamos à espera das suas próximas contribuições. E quando editar o seu livro conte connosco.

CC: Claro, e vou convidá-los obviamente. Eu quero fazer uma festa muito grande. E nem sei como, como aquilo é em torno de uma transsexual, que ela não era bem uma transsexual porque ela nunca fez a operação, só tinha realmente os peitos. E que no fim foram cortados, o drama dela. Mas eu penso que seria talvez grandioso que nesta festa de lançamento a própria comunidade estivesse presente pois é da comunidade que eu vou falar naquele livro.

AS: Eu, em nome próprio, e em nome da associação que represento, se formos convidados lá estaremos concerteza.

Esta entrevista foi transmitida no programa Vidas Alternativas da Rádio Voxx (91.6 Lisboa, 90.0 Porto) no dia 19 Julho 2000.
Transcrição autorizada para o site PortugalGay por António Serzedelo.
 
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