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Política & Direitos


ILGA Portugal
21 Novembro 2005

As fantasias de Miguel Sousa Tavares

 

Miguel Sousa Tavares (MST), conhecido escritor de ficção, ofereceu-nos no Público mais um capítulo fantasioso dedicado à sua visão da sexualidade e nomeadamente da homossexualidade.

Com algumas bases vagas no real, MST constrói toda uma tabloidização ficcionada. Assim, acrescentou “beijos e apalpões” ao singular beijo atribuído às duas alunas da Escola Secundária António Sérgio, em Vila Nova de Gaia; retirou alguns anos às personagens para que pudessem passar a ser “miúdas”; e incluiu nos alunos que frequentam a escola secundária “crianças” de “seis ou sete anos”. A ficção de MST venderá mais que a realidade e tornar-se-á mais "chocante" para si próprio e para quem, como MST, não é capaz de usar a racionalidade para analisar esta questão.

Se MST olhasse para a realidade, perceberia que, quando duas mulheres se beijam, não o fazem para titilar ou provocar as pessoas como MST. Isso será possivelmente um enviesamento de interpretação, quiçá decorrente de uma exposição excessiva a pornografia “lésbica” feita para consumo de homens heterossexuais. No entanto, quando, na vida real, duas mulheres se beijam, não o fazem por "exibicionismo" - ou, quando muito, fazem-no pelo mesmo "exibicionismo" que faz com que um casal de pessoas de sexo diferente se beije em público. Foi este princípio simples que a Associação de Estudantes da referida Escola Secundária compreendeu ao decidir denunciar a discriminação de que as duas alunas foram alvo. Ao contrário do que MST poderia fantasiar, a "plateia da escola" não se perturbou com a homossexualidade - perturbou-se, sim, com a homofobia.

Teríamos também que depreender do seu texto que MST não só nunca deu um beijo em público a uma mulher ou a um homem (porque qualquer destas hipóteses seria uma falta de “boas maneiras e bom gosto”) como tem criticado de forma sistemática qualquer pessoa que o tenha feito...

É infelizmente típico das “comunidades” homófobas classificar de “exibicionismo” as manifestações de afecto (sim, afecto) entre pessoas do mesmo sexo - e a habitual assimetria de tratamento é, de facto, contrária ao princípio constitucional que proíbe explicitamente, em Portugal (à semelhança do que acontece apenas em mais dois países no mundo), a discriminação com base na orientação sexual. O direito à indiferença que a Associação ILGA Portugal promove passa precisamente pelo fim desta assimetria.

E se MST não está, é certo, ao nível de um João César das Neves (embora tenhamos vindo a registar os seus repetidos esforços), mantém a sua incapacidade de compreender o que está em causa no art. 175º do Código Penal. Enquanto jurista (e enquanto pessoa minimamente letrada), seria de esperar que já tivesse compreendido que a inconstitucionalidade do artigo não se deve a uma “liberdade de orientação sexual” de uma pessoa adulta mas sim à “liberdade de orientação sexual” (e de expressão dessa orientação) por parte de um(a) adolescente. Não se trata aqui de abuso, ou de violação, ao contrário do que a fértil imaginação de MST defende – trata-se tão-só da definição de uma idade de consentimento para relações entre pessoas do mesmo sexo igual à que existe para relações entre pessoas de sexo diferente.

A imaginação de MST também o leva a condenar a possibilidade da adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo, afirmando que “não é lícito” presumir a vontade da criança adoptada. Poder-se-ia ir mais longe e dizer que, em rigor, não será nunca lícito presumir que a vontade da criança será respeitada em qualquer caso de adopção. Porém, e certamente, nunca será lícito presumir que a vontade da criança ficará respeitada em todos os casos de não-adopção. Às presunções de MST, parece-nos por isso melhor contrapor os dados científicos: http://www.aap.org/advocacy/archives/febsamesex.htm; http://www.apa.org/pi/parent.html; http://www.psych.org/edu/other_res/lib_archives/archives/200214.pdf.

E se na imaginação de MST uma criança não é presumivelmente feliz com dois pais ou com duas mães, a nossa sugestão é, que para além dos estudos, MST olhe, uma vez mais, para a realidade. Existem há muito crianças que, em Portugal (e em muitos países), têm dois pais ou duas mães – e são, imagine-se, realmente felizes.

Se o imaginário de MST não lhe permite analisar estas questões com rigor (e é claro pelo seu texto que o seu imaginário tem sérias limitações), não pretendemos obviamente calá-lo - pretendemos apenas que alguma réstea de racionalidade de MST lhe permita compreender que a sua opção pelo silêncio seria por vezes preferível ao absurdo. Mais: ao contrário do que MST supõe, não há nada de "politicamente incorrecto" ou de masculinamente "rebelde" no seu discurso - pelo contrário, é esse o discurso actual da própria lei, da maioria dos responsáveis políticos e da hipocrisia vigente. O seu discurso é, afinal, e apenas, o discurso da ignorância auto-satisfeita.

Uma nota final para a perturbadora “orientação sexual homofóbica”, um novo conceito que MST introduz no seu texto (ainda que MST não a tenha descoberto em si próprio), e que nos parece carecer de algum aprofundamento – aliás, como todo o texto que escreveu. No entanto, mais do que uma eventual orientação sexual, esperamos que MST possa reflectir um pouco mais sobre a homofobia - e que faça o esforço (que, julgamos, será moderado) de a descobrir em si, para que os seus textos se tornem enfim menos fantasiosos e mais próximos da realidade.

A Direcção e o Grupo de Intervenção Política da Associação ILGA Portugal

Associação ILGA PORTUGAL
Email: ilga-portugal@ilga.org
http://www.ilga-portugal.pt/


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