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Sábado, 27 Fevereiro 2010 11:16

EDITORIAL
Quatro anos depois de Gisberta



Quatro anos depois de Gisberta, transexual feminina assassinada no Porto depois de ter sido torturada barbaramente durante três dias, e dois anos depois de Luna, transexual feminina assassinada e abandonada num contentor de lixo em Lisboa, as marcas do tempo deixam a sua marca.


Salvo por um comunicado de imprensa emitido pelas Panteras Rosa, o esquecimento por estes dois casos é flagrante, tanto pela parte das associações e/ou grupos, como pelos partidos políticos, e pela comunidade transexual portuguesa (in)existente.

Da parte das associações, nada de anormal este tipo de atitudes. A transexualidade continua a ser considerada como "bastarda", sendo que as reivindicações da comunidade ou são ignoradas ou são mescladas com certas teorias queer que pouco ou nada têm a ver com os integrantes da comunidade (in)existente.

Da parte dos partidos, excluindo os dominados pela igreja católica, temos um PS, claramente centro-direita mas afirmando-se de esquerda (em relação aos que se situam à sua direita, diria eu) que no seu programa de governo com que ganhou as últimas eleições, fala na situação da identidade de género de um modo geral, não especificando nada de concreto, o que implica que qualquer coisa cabe lá dentro. Não se tendo manifestado na altura, mantém a mesma postura, ou seja, o vazio.

Da parte do PCP, idem, nada fez e nada faz.

Do Bloco de Esquerda já é diferente. O que mais mencionou o caso na altura, o que promoveu uma audição parlamentar sobre a transexualidade, quando da recente visita de Carla Antonelli a Portugal e de ter sido recebida pelos deputados Miguel Vale de Almeida (PS) e José Soeiro (BE), fez saber pelo seu dirigente Francisco Louçã que uma lei de identidade de género não era uma prioridade do BE, ao contrário, por exemplo, do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

E porquê esta comparação? Porque, ao contrário de Gisberta e de Luna que foram assassinadas por serem quem eram (claramente no caso de Gisberta, mais duvidoso no caso de Luna, mas até ao momento sem informação em contrário), não se conhecem nenhuns casos de pessoas homossexuais que tenham sido assassinadas por não poderem casar.

Mais, também não se conhece nenhum caso de nenhuma pessoa homossexual que se tenha suicidado por não se poder casar, enquanto que pessoas transexuais que se suicidam por o serem são inúmeros os casos (mesmo em Portugal em que estes casos são camuflados, não os associando à transexualidade).

Curiosa esta posição do Bloco. Na minha opinião pessoal, somente o poder dos votos pode servir como desculpa.

Quanto à comunidade, que dizer? Fiz uma proposta para se fazer uma acção de homenagem a Gisberta e a Luna ao GRIT, em que apresentei ideoas de acções e onde desafiei os integrantes para apresentarem outras propostas, outras ideias, sensivelmente há um mês atrás. Uma resposta obtive, sem nada de concreto.

Apresentei ao mesmo GRIT outra iniciativa para que se debatessem as propostas existentes e se unificasse tudo numa única proposta de lei de identidade de género comum a toda a comunidade. Além de uma disponibilidade de quem se encontra presentemente à frente para o fazer, nada foi feito, nada foi opinado, nada foi dito.

O GRIT, além de encontros lúdicos entre transexuais realizados uma vez por mês, onde se partilham vivências, e de iniciativas como a do debate de 11 de Fevereiro, onde se tentou demonstrar que a comunidade (in)existente em Portugal é maioritariamente composta por invisiveis (claro que não se baseando em nenhum estudo existente porque simplesmente NÃO EXISTE) e que a maioria não se interessa por activismo. Se bem que não concorde em absoluto com a primeira opinião, a segunda tenho de concordar com ela.

E eu pergunto-me que pensariam Gisberta e Luna por pertencerem a uma comunidade que as renega, uma comunidade em que pessoas envergonhadas por serem quem são, como se a transexualidade fosse um crime ou uma ofensa tal que as pessoas se escondem como ratos a fugirem de gatos? Gisberta e Luna, que se assumiram e com tenacidade e intrepidez, enfrentando cara a cara as adversidades que a vida e a transfobia lhes ofereceu?

Gisberta e Luna, além de serem transexuais, eram trabalhadoras do sexo. Não por escolha própria, mas porque, por serem transexuais, lhes foram negadas as hipóteses de poderem ter outro tipo de trabalho. Ou se prostituíam, ou faziam shows de travestismo, ou eram protagonistas de strips. Ou tudo junto. A sociedade, sempre tão lesta em criticar e apontar, ao mesmo tempo forçou estas mulheres a este tipo de vida. Sou a favor das trabalhadoras do sexo desde que por decisão própria. mas por exclusão, sou contra.

Nunca me prostotuí. E no entanto sinto-me muito mais próxima destas duas vítimas do que das outras pessoas transexuais que se sentem incomodadas por sempre se ter associado a transexualidade à prostituição (korror) mas que nada fazem para demonstrar que uma pessoa transexual é tão válida como outra pessoa qualquer.

Como cantou Sérgio Godinho há muitos anos atrás "Mais vale ser um cão raivoso..."

E tinha razão. Como homenagem final a estas duas vítimas, além da que iniciei há uns tempos atrás no meu Facebook no album de fotos "Memórias" que visa não só estas duas mas todas as vítimas de que tiver conhecimento, fica aqui a letra desta música que tão bem explana o que é ser-se assumida, activista e, no fundo, ser-se humana

Mais vale ser um cão raivoso
do que um carneiro
a dizer que sim ao pastor
o dia inteiro
e a dar-lhe de lã e da carne e da vida
e do traseiro
mais vale ser diferente do carneiro
um cão raivoso que sabe onde ferra
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
que um caranguejo
que avança e recua e depois
solta um bocejo
e que quando fala só se houve a garganta
no gargarejo
mais vale não ser como o caranguejo
um cão raivoso que sabe onde ferra
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
que uma sardinha
metida, entalada na lata
educadinha
pronta a ser comida, engolida, digerida
e cagadinha
Mais vale ser diferente da sardinha
um cão raivoso que sabe onde ferra
ferra fascistas e chama-lhe um figo
olhos atentos e patas na terra.

Viva o cão raivoso
tem o pelo eriçado
seu dente é guloso
e o seu faro ajustado
Cão raivoso, cão raivoso, cuidado.

Mais vale ser um cão raivoso
dentes à mostra
estar sempre pronto a morder
e a dar resposta
a toda e qualquer podridão escondida
dentro da crosta
dentro da crosta das belas ideias
gato escondido de rabo de fora
dentro da crosta das belas ideias
gato escondido de rabo de fora. 

EDITORIAL: Quatro anos depois de Gisberta

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