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Primeiro Plano

Comércio do Porto


Primeiro Plano



0 Comércio do Porto
Segunda-feira 9 de Outubro de 2000

PRIMEIRO PLANO

JOÃO PAULO, TÉCNICO ADMINISTRATIVO
X, FUNCIONÁRIO-PUBLICO

Viver no Porto escondidos nas sombras

João Paulo tem 32 anos e já tentou várias vezes o suicídio. Hoje congratula-se "que nenhuma das tentativas tenha sido bem sucedida". Afectivamente, conseguiu atingir a estabilidade emocional com um homem que conheceu há quatro anos. Partilha um apartamento arrendado com o companheiro há quase três anos, onde têm boas relações de vizinhança. "Todos sabem que vivemos juntos, mas ninguém se mete no assunto". Vivem como qualquer outro casal, no Porto, mas recusam-se a revelar publicamente o seu rosto nos media. 0 medo de perseguições e de ficarem negativamente rotulados pela sociedade inibe-os de declarar em público a opção sexual de vida que lhes é intrínseca desde a puberdade.

João Paulo é técnico administrativo e, ao contrário da maioria dos homossexuais não faz disso sigilo no local de trabalho. Contudo, o mesmo não acontece com o seu companheiro, que é funcionário público, pelo que nem sequer coloca a hipótese de levantar o véu sobre a sua orientação sexual com ninguém.

"0 facto de ser reconhecido como homossexual sobretudo no Porto, ainda é muito complicado. Esta atitude tem repercurssão directa na população homossexual e lésbica da cidade que não se manifesta de forma visível, vivendo ainda muito na sombra"- diz João Paulo, autor do portal PortugalGay, uma das páginas mais procuradas da Net entre nós, com cerca de mil visitas diárias.

Foi por volta dos 14 anos que teve consciência de "ser diferente dos outros"."Foi-se assumindo por si próprio" e no início isso não lhe causou "qualquer trauma". "Só queria saber se havia mais alguém como eu. Inclinei-me para as artes onde curiosamente existe bastante gente no meio e não foi difícil relacionar-me. 0 pior veio depois, quando era mais velho. Sobretudo em relação à dificuldade de comunicação com a família "Sabia que iria dar um grande desgosto aos meus pais, que não iria estar à altura das suas expectativas". As sucessivas tentativas de suicídio foram o resultado.

Hoje, há urna espécie de acordo tácito de silêncio entre João Paulo e a família. "É um jogo de surdos mudos, 0 meu companheiro frequenta a casa dos meus pais, mas o assunto é para estar quieto, não se fala".

Em relação aos amigos, também não aborda o assunto. "Se as pessoas forem minimamente perspicazes, claro que percebem. Não tenho é de andar com um cartaz na mão". Nunca existiu qualquer conversa com os amigos sobre a sua opção, excepto "quando uma vez fez o jogo da verdade", e muitos deles são heterossexuais.

Sobre o facto da lei em vigor das uniões de facto não se aplicar aos homossexuais, opina que "traz problemas graves". "Para além do direito de herança ou do IRS, no caso de acontecer um acidente a qualquer um de nós, o outro, como não é da família, não tem prioridade no contacto". Quanto aos sucessivos adiamentos da discussão no Parlamento, sustenta que "Portugal é ainda um pais hipócrita". "Se fosse a apostar na quantidade de políticos que vai passar férias a Marrocos para poder fazer à vontade o que aqui faz às escondidas..." sublinha.

"Um outro exemplo flagrante é a Porto 2001. Está completamente recheada de homossexuais, porque frequentam o mesmo meio que eu e conheço-os mas ninguém se identifica".

0 impedimento ao casamento civil e a falta de protecção no emprego são outros dos direitos que pensa serem fundamentais, mas que em Portugal estão ainda longe de ser verdade. "Portugal é um estado laico em que os direitos e deveres dos cidadãos não são (ou não deveriam ser) ditados por princípios religiosos. Desta forma não se compreende como a força política deste país ainda não tomou a iniciativa de estender os direitos e deveres do casamento civil e das uniões de facto aos casais formados por pessoas do mesmo sexo.

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