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Política & Direitos

Fev 2000

PROJECTO DE LEI N.º 105/VIII

ADOPTA MEDIDAS DE PROTECÇÃO DAS PESSOAS QUE VIVAM EM ECONOMIA COMUM

Exposição de motivos

Através do presente projecto de lei visa-se conferir protecção legal a um significativo conjunto de relações interpessoais, colmatando injustiças e dando resposta a reclamações sociais com crescente eco institucional.

O que caracteriza essencialmente a nova fórmula que se propõe, distinguindo-a do regime aplicável às uniões de facto é a absoluta irrelevância da orientação sexual das pessoas a quem se confere protecção legal. Partindo da verificação objectiva da partilha de certos meios de vida e outros traços integrantes daquilo que se denominou «vida em economia comum», o legislador pode passar a configurar um conjunto de benefícios aplicáveis numa multiplicidade de situações susceptíveis de serem estabelecidas entre pessoas, independentemente do sexo ou orientação sexual. Uma norma de delimitação negativa trata de distinguir essas situações de vida em economia comum de outras em que a economia comum resulta, por exemplo uma celebração de um contrato de trabalho ou prestação de serviços.

Este projecto de lei vem superar o problema levantado pela discriminação dos casais homossexuais, a qual se apresenta hoje manifestamente incompatível com as regras da tolerância e respeito à diferença inerente a uma sociedade liberal, aberta e pluralista.

A apresentação de uma tal solução visa propor uma reorientação de um debate que tem estado centrado numa concepção de uniões de facto, cuja aplicação faz condicionar a obtenção de benefícios à pública assunção da orientação sexual dos titulares de direitos. À luz do critério que agora se enuncia, o legislador não quebra a privacidade de ninguém, a título algum impondo - mas também não impedindo - a revelação da orientação sexual dos beneficiários. A comprovação objectiva dos traços identitários - vida em comum - basta para facultar às pessoas interessadas a fruição dos direitos que a sua situação justifica.

Assim, em termos de soluções normativas optou-se por:

1 — Conferir um conjunto de direitos às pessoas que vivam em economia comum, nos termos em que o conceito é densificado no presente diploma;

2 — Excluem-se situações de economia comum que decorrem de negócio jurídico ou outro tipo de obrigação contratual;

3 — Conferem-se direitos em matéria laboral, fiscal e protecção na habitação e na morte bem como no âmbito da segurança social.

Os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

Objecto

1 — A presente lei estabelece o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos.

2 — Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de situações de união de facto.

Artigo 2.º

Economia comum

1 — Para efeitos da presente lei, entende-se por vivência em economia comum a situação de duas pessoas que de forma pública e notória vivem em comunhão de mesa e habitação, há mais de dois anos.

2 — Exclui-se do disposto no número anterior as pessoas que por força de lei ou de negócio jurídico incorram em obrigação de convivência, prestação de alimentos ou actividade laboral.

Artigo 3.º

Excepções

São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei:

a) Idade inferior a dezasseis anos;

b) Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;

c) Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens;

d) Parentesco na linha recta ou no segundo grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;

e) Existência entre as pessoas de vínculo contratual que implique habitação em comum.

Artigo 4.º

Efeitos

As pessoas que vivem em economia comum nas condições previstas na presente lei têm direito a:

a) Protecção da casa de morada comum, nos termos da presente lei;

b) Beneficiar de regime jurídico de férias, faltas e licenças e preferência na colocação dos funcionários da administração pública equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei;

c) Beneficiar de regime jurídico das férias, feriados e faltas, aplicável por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei;

d) Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens;

e) Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei;

f) Pensão por morte resultante de acidente de trabalho, nos termos da lei;

g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nos termos da lei.

Artigo 5.º

Casa de morada comum

1 — Em caso de morte da pessoa proprietária da casa de morada comum, a pessoa que com ela haja vivido em economia comum há mais de dois anos nas condições previstas na presente lei, tem direito real de habitação sobre a mesma pelo prazo de 5 anos, e direito de preferência na sua venda ou arrendamento.

2 — O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes ou ascendentes que com ele vivessem há pelo menos um ano e pretendam continuar a habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.

3 — Em caso de dissolução da situação de vida em economia comum, pode ser acordada entre os interessados a transmissão do arrendamento em termos idênticos aos previstos no n.º 1 do artigo 84.º do regime do arrendamento urbano (RAU).

4 — O disposto no artigo 1793.º do Código Civil e no artigo 84.º, n.º 2 do RAU, é aplicável às situações previstas no presente diploma, se o tribunal entender que tal é necessário, tendo em conta o interesse dos filhos do casal ou do membro sobrevivo.

Artigo 6.º

Transmissão do arrendamento por morte

1 — O n.º 1 do artigo 85.º do RAU passa a ter a seguinte redacção:

(...)

«f) Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação prevista nas alíneas b) c) d) e e) do n.º 1, ou estas não pretendam a transmissão, ao cônjuge é equiparada pessoa que com ele vivesse em economia comum nos termos da presente lei».

(...)

Artigo 7.º

Regime de acesso as prestações por morte

1 — Beneficia dos direitos previstos na alínea f) e g) do artigo 4.º da presente lei quem for titular de direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020.º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis.

2 — Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição.

3 — Não obsta ao reconhecimento da titularidade do direito às prestações a inexistência ou insuficiência dos bens da herança para atribuição da pensão de alimentos.

4 — O direito à prestação pode ser reconhecido na acção judicial proposta pelo titular contra a herança do falecido com vista a obter a pensão de alimentos desde que na acção intervenha a instituição competente para a atribuição das prestações.

5 — O requerente pode propor apenas acção contra a instituição competente para a atribuição de prestações.

Artigo 8.º

Regulamentação

O Governo publicará no prazo de noventa dias os diplomas regulamentares das normas da presente lei que de tal careçam.

Palácio de São Bento, 23 de Fevereiro de 2000. Os Deputados do PS: Ana Catarina Mendonça — Francisco de Assis — Luís Miguel Teixeira — Mafalda Troncho — Afonso Candal — José Barros Moura — João Sequeira — Filipe Vital — Bruno Almeida — António Galamba e quatro assinaturas ilegíveis.

 
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