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Supremo Tribunal de Justiça incentiva a discriminação em função da orientação sexual

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27 Outubro 2003

Supremo Tribunal de Justiça incentiva a discriminação em função da orientação sexual
Acórdão sobre actos homossexuais entre adultos e adolescentes é insultuoso, ignora e contraria a OMS, a União Europeia e a comunidade científica.

O Supremo Tribunal de Justiça redigiu recentemente um acórdão em que defende a discriminação inerente ao art.175º do Código Penal, contrariando não só penalistas portugueses (com destaque para Teresa Beleza), mas também recomendações inequívocas da União Europeia.[1]

Pode ler-se no acórdão que a natureza dos actos homossexuais entre adultos e menores "é (...) objectivamente mais grave do que a prática de actos heterossexuais com menores". Isto porque "são substancialmente mais traumatizantes por representarem um uso anormal do sexo, condutas altamente desviantes, contrárias à ordem natural das coisas, comprometendo ou podendo comprometer a formação da personalidade e o equilíbrio mental, intelectual e social futuro da vítima". Acrescenta-se também que: "É mais livre e prematuro o consentimento de adolescentes para a a prática de actos heterossexuais, sendo mais tardio o processo genético de formação de vontade de adesão dos adolescentes para a prática de actos homossexuais".

As associações e colectivos Lésbicos, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT) subscritores deste comunicado gostariam de deixar bem claro que não se pronunciam, obviamente, em relação ao caso concreto que motivou o acórdão do STJ (um recurso da defesa de Michael John Burridge). Contudo, repudiam em absoluto o excerto desse acórdão que aborda a discriminação associada ao art. 175º.

Desconhece-se a base científica para a afirmação sobre o "processo genético de formação da vontade de adesão dos adolescentes para a prática de actos homossexuais". Suspeita-se que será a mesma base científica das restantes afirmações: aquela que não é necessária quando se pretende discriminar em função da orientação sexual. Assim, a palavra "desviante" é um termo psiquiátrico que não é aplicado à homossexualidade há várias décadas;[2] a "ordem natural" é um conceito religioso inadmissível num dos principais poderes de um Estado laico; a expressão "anormal" é um insulto, igualmente inadmissível, que revela bem o pendor marcadamente ideológico, acientífico e meramente preconceituoso desta "justificação".

A ignorância profunda e a confusão de conceitos patentes nesse documento tornam-no, num momento em que se pretende assegurar e incentivar a credibilidade das instituições e o respeito pela justiça, particularmente infeliz. Trata-se afinal de um acórdão político, profundamente homofóbico e heterossexista.

Quanto ao aspecto discriminatório do Código Penal, desde há muito que diversas associações e grupos de defesa dos direitos de lésbicas e gays se têm pronunciado. O art. 174º penaliza "actos sexuais com adolescentes" entre os 14 e os 16 anos, desde que haja "abuso da inexperiência" da vítima; esta ressalva já não está incluída no art. 175º que penaliza " actos homossexuais com adolescentes" das mesmas idades.

O que está em causa não é, portanto, o abuso de adolescentes sem o seu consentimento, que é inequivocamente punido, com toda a correcção, em ambos os casos. A diferença resume-se apenas a situações em que há consentimento das e dos adolescentes: se as relações forem heterossexuais (porque o legislador pensa portanto que "actos sexuais" é sinónimo de "actos heterossexuais"...), esse consentimento pode ser consciente; se forem homossexuais, esse consentimento é inconsciente.

Isto significa que a lei permite que um adolescente de 15 anos possa em consciência decidir ter relações sexuais com uma mulher com mais de 18 anos. Mas entende que já um adolescente de 15 anos que decida ter relações sexuais com um homem com mais de 18 anos o faz claramente por inconsciência: portanto, se é homossexual, é-o porque ainda não viu a "luz" da heterossexualidade e ainda pode ser "curado". O facto desta noção estar ainda representada no nosso Código Penal é simplesmente chocante.

Urge, pelo contrário, e no respeito pela Constituição, eliminar o art. 175º e uniformizar os preceitos relativos à idade do consentimento num só artigo sem qualquer distinção entre hetero- e homossexualidade - à semelhança, aliás, do que acontece na quase totalidade dos países da União Europeia. Até lá, a pretensa igualdade de cidadãos perante a lei e perante a justiça continuará por cumprir.

Somos,

    Associação ILGA Portugal

    @t. - Associação para o Estudo e Defesa dos Direitos à Identidade de Género

    Clube Safo

    #gayteenportugal

    GTH - Grupo de Trabalho Homossexual

    Não Te Prives

    PortugalGay.PT

    rede ex aequo

[1] Ver, por exemplo, a Resolução do Parlamento Europeu sobre a Situação dos Direitos Fundamentais na União Europeia (2002) (A5-281/2003) aprovada a 4 de Setembro de 2003, que recomenda explicitamente que Portugal altere a legislação que faz com que a idade de consentimento seja dependente da orientação sexual, devido ao seu conteúdo discriminatório dessa legislação.

[2] Em Dezembro de 1973, a American Psychiatric Association's Board of Trustees removeu a homossexualidade da sua nomenclatura oficial de doenças mentais "Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Second Edition" (DSM-II). A OMS Organização Mundial de Saúde, em 1991 e 1993, conjuntamente com a revisão e publicação da 10º edição da Classificação Internacional de Doenças - CID 10, deixou de considerar a homossexualidade como doença.

 
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