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Política & Direitos

15 Outubro 2009

Bloco de Esquerda

Projecto de lei n.º 14/XI

 

 

ALTERA O CÓDIGO CIVIL, PERMITINDO O CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO

 

 

Exposição de Motivos:

 

 

O significado histórico do reconhecimento da igualdade

 

A alteração do Código Civil, de modo a alargar o direito ao casamento a todas as pessoas, é uma questão fundamental de democracia, de direitos humanos e de combate ao preconceito e à discriminação. De facto, a reivindicação da igualdade no acesso ao casamento faz parte da história recente no mundo, na Europa e no nosso país e vem na esteira de reivindicações mais antigas, desde os direitos civis para os negros ao reconhecimento da igualdade plena entre os sexos, libertando as mulheres da condição de “propriedade” dos homens e de um estatuto de inferioridade. Também na luta contra o preconceito e a segregação racista, a reivindicação da possibilidade do casamento inter-racial foi uma luta historicamente determinante, num contexto em que o casamento era uma instituição que não permitia a consagração de uniões entre “negros” e “brancos” – assim acontecia na África do Sul do apartheid ou com as leis de miscigenação que subsistiram até 1967 em mais de uma dezena de estados dos Estados Unidos da América.

As sociedades de hoje sofrem profundas transformações, nomeadamente na esfera das relações entre as pessoas. As componentes pessoais e afectivas são crescentemente valorizadas como base das relações de conjugalidade. Por outro lado, como sabemos, os modelos familiares têm-se diversificado, havendo uma tendência para uma maior autonomia e para o exercício da parentalidade como um exercício de responsabilidade e afecto.

Por tudo isto, é importante que a lei responda aos problemas, às práticas sociais e ao sentido de justiça contemporâneos e que elimine todas as discriminações baseadas na orientação sexual, nomeadamente no que diz respeito ao casamento. Se é verdade que persistem expressões de homofobia na sociedade portuguesa, o facto é que a convivência em casal entre pessoas do mesmo sexo, baseada na afectividade, tem sido objecto de reconhecimento e aceitação social crescentes e tem vindo a superar preconceitos arreigados e estigmatizações e que, do ponto de vista da Democracia e do Estado, é imperioso dar o exemplo da igualdade legal para inverter a longa trajectória de discriminação baseada na orientação sexual.

Como referiu o Presidente do Governo Espanhol na Câmara dos Deputados em 30 de Junho de 2005, aquando da aprovação da lei da igualdade no acesso ao casamento, “não estamos legislando, meus senhores, para gentes remotas e estranhas. Estamos a ampliar as oportunidades de felicidade dos nossos vizinhos, dos nossos colegas de trabalho, dos nossos amigos e dos nossos familiares, e desse modo estamos a construir um país mais decente, porque uma sociedade decente é a que não humilha os seus membros.”

 

Realidade europeia e internacional

 

O reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo existe já em 23 países. Actualmente, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo está consagrado na Holanda, na Bélgica, em Espanha, no Canadá, na Noruega, na África do Sul e no Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos da América, atribuindo-se direitos e obrigações iguais aos dos casais heterossexuais.

A Holanda foi o primeiro país a adoptar legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo a 12 de Setembro de 2000, tendo aprovado, em Junho de 2005, alterações a essa mesma legislação de modo a permitir a adopção por casais homossexuais.

Na Bélgica realizam-se casamentos homossexuais desde Julho de 2003, tendo sido seguido um trajecto semelhante à Holanda no que se refere à adopção.

Nos Estados Unidos da América o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal no Estado de Massachussets.

Na África do Sul, no início de Dezembro de 2005, o Tribunal Constitucional concluiu que era ilegal os homossexuais não poderem aceder aos benefícios legais do casamento civil, tendo sido concedido o prazo de um ano ao Parlamento para alterar a legislação de modo a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No Canadá foi aprovada, a 29 de Junho de 2005, a lei que permite a realização de casamentos homossexuais, estendendo, assim, a todo o território uma realidade que já era possível em sete das províncias.

Em Espanha, é possível a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo desde 2 de Julho de 2005.

O Parlamento Europeu, por seu turno, apoiou expressamente o casamento homossexual e o direito dos homossexuais a adoptarem. No seu relatório sobre “Os Direitos Fundamentais na União Europeia em 2002”, os eurodeputados solicitam aos Estados-membros que adoptem as medidas necessárias ao reconhecimento de todas as formas de família.

 

O contexto político e legal desta iniciativa do Bloco de Esquerda

 

No momento em que esta XI legislatura começa, a sociedade portuguesa teve já múltiplos momentos de discussão pública acerca deste assunto. Um dos momentos mais importantes desse processo foi a apresentação, pelo Bloco de Esquerda, de um projecto de lei que pretendia alterar o Código Civil e alargar o direito ao casamento a todas as pessoas e que foi votado na Assembleia da República no dia 10 de Outubro de 2008. A apresentação desse projecto de lei, com o profundo debate que gerou na sociedade portuguesa, abriu caminho a esta questão e foi determinante para que outros sectores sociais e políticos assumissem um compromisso com a igualdade. Incompreensivelmente, o projecto do Bloco de Esquerda foi então chumbado pelos deputados do Partido Socialista, tendo a sua bancada exercido disciplina de voto. No entanto, é sabido que, depois desse episódio, novas clarificações aconteceram e novos compromissos foram assumidos no sentido de combater a discriminação. É por isso chegada a hora da Assembleia da República assumir uma posição consequente e o Bloco de Esquerda não poderia deixar de apresentar novamente um projecto de lei para alargar o direito ao casamento a todos os casais, cumprindo as responsabilidades assumidas no seu programa.

O artigo 1577º do Código Civil português define o casamento como “um contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida”, visando desse modo obstar ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ao limitar o casamento a pessoas de sexo diferente priva claramente as pessoas do mesmo sexo do direito de contraírem casamento.

O argumento da reprodução, que a considera como o fim último deste instituto jurídico e que, a partir dessa consideração, pretende defender a legitimidade da discriminação de uma parte dos cidadãos no acesso ao casamento, esquece que tal decisão é um produto da escolha livre dos cônjuges. Como se sabe, o Código Civil não obsta ao casamento de qualquer pessoa infértil ou impotente, nem impõe a concepção. A realidade actual demonstra que a reprodução é uma realidade bem diversa do casamento, pelo que é simplesmente absurdo insistir na manutenção dessa linha argumentativa para impedir pessoas do mesmo sexo do exercício de um direito fundamental.

Além disso, a Revisão Constitucional de 2004 introduziu no artigo 13º da lei fundamental uma menção explícita segundo a qual ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da orientação sexual.

O reconhecimento da multiplicidade das formas de afecto, de relação e de modalidades familiares é um avanço civilizacional. Daí que devam ser rejeitadas quer a ideia discriminatória de criação de uma figura legal diferente para os casais homossexuais (uma espécie de “casamento de segunda”), quer a introdução de propostas de alteração ao Código Civil que, no momento em que se pretende consagrar a igualdade, introduzissem novas expressões discriminatórias no domínio da parentalidade. O Bloco de Esquerda assume, como sempre, o seu compromisso com a igualdade por inteiro.

O alargamento do acesso ao casamento a todos os casais que existem na sociedade portuguesa é a única garantia de igualdade nas escolhas que dizem respeito a cada pessoa. É a única forma de assegurar que todas podem escolher a sua forma de vida em conjunto, os direitos e deveres associados às diferentes opções, e o prestígio e valor simbólico que os seus valores associem a essas opções.

 

A iniciativa do Bloco de Esquerda

 

O Bloco de Esquerda considera fundamental a alteração do Código Civil de modo a eliminar uma forma de discriminação, conformando a lei ordinária com o espírito da lei constitucional, e conformando essencialmente a lei com a realidade social, permitindo assim a celebração do casamento independentemente de se tratar de pessoas de sexo diferente ou do mesmo sexo.

Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda propõe a alteração do Código Civil no sentido de reconhecer o acesso ao casamento e todos os cidadãos e propõe a eliminação do casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo como causa de inexistência jurídica.

 

 

Assim, nos termos dos artigos 156º, al. b), 161º, al. c) e 165º, n.º1, al. b) da Constituição da República Portuguesa e artigos 4º, al. b) e 118º do Regimento da Assembleia da República, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1º

Objecto

 

O presente diploma altera o Código Civil, em matéria de casamento civil, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, eliminando a discriminação em função da orientação sexual.

Artigo 2º

Alterações ao Código Civil

 

“Os artigos 1577º, 1591º e 1690º do Código Civil passam a ter a seguinte redacção:

 

“Artigo 1577º

(…)

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir uma família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

 

Artigo 1591º

(…)

O contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.”

 

Artigo 1690º

Legitimidade para contrair dívidas

1. Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro.

2. (…).”

 

Artigo 3º

Norma revogatória

É revogada a alínea e) do artigo 1628º do Código Civil.

 

Artigo 4º

Entrada em vigor

O presente diploma entre em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, aplicando-se a todos os processos preliminares de publicações pendentes.

 

 

 

Assembleia da República, 15 de Outubro de 2009

 

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda

 
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