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Do discurso Gay, à Discriminação Homossexual

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Do discurso Gay, à Discriminação Homossexual
11 Mar 2001

Exmo.Senhor Director,

Trouxe o seu prestigioso Jornal nos passados dias 27/2 e 1/3, dois artigos, respectivamente da autoria de João Marques dos Santos e Américo Marcelino, em que se abordam problemas relativamente à questão das homossexualidades, que nos merecem alguns reparos. Foram publicados, deixando-nos na dúvida se se tratavam de editoriais, portanto consignando a linha do vosso jornal, ou se se tratavam de meros artigos de opinião.

Gostaríamos de esclarecer os seus leitores, sobre este candente tema, sem ter de invocar o direito de resposta, solicitando-lhe que nos publicasse o artigo que lhe enviamos, na mesma página em que foram publicados os dois mencionados.

Agradecendo antecipadamente, apresento-lhe os meus cumprimentos,

e sou,

António Serzedelo
Presidente da Opusgay Associação

Do Discurso Gay, à Discriminação Homossexual

A questão da homossexualidade é um longo fio, que liga entre si, várias questões, libertação sexual, feminismo, mudança nos costumes de vida, luta contra a SIDA, e as próprias relações entre os homens e mulheres nas vertentes hetero, bi e homossexual, e, por isso, levanta muitas objecções nas consciências de alguns zeladores de certa moralidade .

São tudo questões com que o mundo se vem confrontando, pelo menos, desde 1945, para não falar desde o início do século passado, com a luta das sufragistas.

Surgem, agora, aqui, porque se discute no Parlamento o reconhecimento de Direitos para os homossexuais, (seja com o nome de Uniões de Facto, Uniões Livres ou Pactos sociais, ou qualquer outro nome que se lhe queira chamar), dois artigos no CM, em que dois articulistas manifestam as suas opiniões de forma diversa, mas com um propósito comum: não quererem ouvir falar do reconhecimento de Direitos dos homossexuais, nem na vida cívil, pública, política ou moral.

Os dois articulistas, de forma mais ou menos elaborada, defendendo o mesmo, diversificando os ataques, um contra os partidos de esquerda, outro contra CML, ou porque "usam" os gays, ou porque os apoiam, mas ambos tentando isolá-los, utilizam os mesmos argumentos estafados, que fazem parte da panóplia de toda a homofobia.

De facto, estes articulistas, arredados da realidade, tem como base do seu pensamento, a defesa acérrima da Sociedade e Família Patriarcal, à fim do seculo XIX, que se define, a partir da figura do homem/pai, heterossexual, procriador, e proprietário, de bens, mulher e filhos. Ele é que define o que é natural e anti-natural, o que é verdadeiro, e falso.

Como diz Americo Marcelino, A.M., no seu texto "...a prova fácil de tirar, leva à conclusão que a homossexualidade é uma anomalia da natureza", e pronto, não se tolera mais nada!

Depois, mais adiante, compara a homossexualidade à pedofilia, que é essa sim, uma doença, e até um crime, mas são ambas definidas pela "sabedoria" de AM, como "desvios da líbido"! O estudioso prossegue nas suas sapientes incursões pela psicologia e biologia dizendo que os homosssexuais "não podem ter filhos".

Ele ignora, ou finge ignorar, que são aos milhares, em Portugal, os pais e mães, gays e lésbicas, que tiveram filhos pelos meios naturais, e que agora, tambem já os podem ter, graças aos progressos tecnológicos pelos processos de concepção, que passam pelos bancos de esperma, e de inseminação artificial.

Os dois autores têm a mesma preocupação e visão: "homossexuais sempre os houve, e haverá", mas devem é continuar a viver "em paz a sua vida" (que, aliás, não é nada pacífica por causa de pessoas como eles), não devendo pretender "agredir as convicções dos seus vizinhos".

Mas, são esses "vizinhos" que os condenam ao silêncio, à inexistência, à opressão, à vergonha, à auto-condenação, ao facto de nem sequer, poderem ter orgulho naquilo que são: serem lésbicas, ou gays!

Para estes "vizinhos", invertidos/maricas/bichas/homossexuais, ou gays que existam, mas às escondidas, no fundo dos becos, na sordidez das noites longas, para onde os querem continuar a atirar, para depois, dizer que vivem em "ghettos". Assim, eles dizem que os toleram!

Estes Patriarcas do heterossexualismo, Senhores das mulheres, em nome de Deus-Pai e Filho toleram, entretanto, a prostituição, o tráfico de carne branca, a violência doméstica contra as mulheres e crianças, o negócio da pedofilia, a exploração sexual e económica das mulheres, tudo isto, desde que não se veja, não se saiba, em nome da salvaguarda dos sacrossantos valores de uma moral decadente que defendem.

Mas que resposta tencionam eles dar, em nome do direito civil, às novas combinações de gays e lésbicas que educam filhos em comum, herdados de um casamento anterior? Como esperam que se regulem as sucessões no seio de um casal do mesmo sexo, junto há cinco, dez, quinze, vinte anos, se, por acaso, um morre?

E quando um deles é tranferido por razões de serviço, para um local distante, da residência comum? E como regular as questões de tutela dos filhos quando a um deles ela é recusada, pelo facto de ser homossexual, independentemente, do bom ou mau comportamento do outro ex-conjuge? Como querem ajustar os dossiers dos diferentes regimes de segurança ou de pensões, quando os dois membros são do mesmo sexo? Enfim, como esperam resolver o problema do casal gay ou lésbico, chegado à velhice, que tem de ir para uma casa de terceira idade? Sugerem-nos, a "fogueira para os invertidos?!"

Atacam estes senhores, do lobby heterossexista reinante, os partidos de esquerda que tentam resolver, hoje, esta questão antiga, que de facto, tanto deve ser resolvida por eles, como pelos partidos de direita, dado tratar-se de problemas de Direitos Humanos básicos, defendidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, e pela Amnistia Internacional, e reconhecidos por Portugal, inclusivé quando assinou o Tratado de Amsterdão, com a CE.

Tranquilizem-se, senhores, que nós gays/lésbicas, de esquerda, centro direita, partidários, ou apolíticos, e falo em nome de doutores/as, sapateiros/as, padres/bispos, agricultores/as, padeiros/as, empregados/as de supermercados, bancários/as, operários/as ou ministros, pois estamos em todo o lado, não somos parvos, sabemos bem distinguir, o trigo do joio, mas agradecemos, que, finalmente, nos defendam. Contudo, a nossa luta não é partidarizável, tem a sua própria agenda, o que não quer dizer que não aceitemos o apoio que nestas circunstâncias, nos dão.

Quanto à CML, também estamos à vontade para a defender, dado que a Associação Opusgay não teve nenhum apoio específico dela, nem em termos de sede, subsídios, rendas, ou espaços, mas achamos muito correcto que a CML se preocupe com esta minoria, pois além de ser a maior minoria da capital, ultrapassando as minorias étnicas, ou religiosas, são também cidadãos contribuintes autárquicos, de pleno direito, votantes, no mesmo pé que os outros, sejam eles idosos, crianças, deficientes, mulheres, vitimas de exclusão, ou grupos étnicos, que merecem o apoio camarário.

O que a CML tem feito, é o mínimo que deve fazer, e só muito desconhecimento destes senhores os leva a ignorar que na Europa que integramos, estas Associações são patrocionadas pelos Governos locais, regionais, ou centrais, e até pela própria Comunidade Europeia. E, recorde-se, que estes Estados, são, aliás, muito cautelosos com os gastos que fazem com as contribuições dos eleitores, mas não hesitam em apoiar estas instituições.

Quanto às Uniões de Facto para homossexuais, com este, ou outro nome, uma vez aprovadas, são um direito livre para quem o quiser usar, do mesmo modo, que o direito de voto. Há quem se abstenha de votar, mas isso não legitima, que tal direito lhe seja retirado.

Termino dizendo: as línguas evoluem e os conceitos também, os prevertidos/invertidos/maricas/bichas de outrora, que mereciam as perseguições da PIDE, e enxovalhos da polícia, são os homens e mulheres gays e lésbicas que, orgulhosamente, hoje, desfilam nas cidades, de cabeça levantada, o que os homofobos detestam, com mais, ou menos folclore, (mas todos têm, também, o direito de não gostar do Carnaval!). As chamadas "classes baixas" de antigamente, são hoje, as orgulhosas classes trabalhadoras, nervo do progresso dos países, e as antigas, submissas esposas, sem voz, nem voto, são hoje, orgulhosas mulheres emancipadas, deputadas e até ministras que desafiam o machismo heterossexista reinante. E são nossas aliadas, nesta luta pela Igualdade, que vai andando, passo a passo, a despeito dos tropeções, que os bonzos de certa moral reinante nos tentam pôr pelo caminho. São eles os legítimos defensores do Deus-Pátria e Família.

Nós, tanto somos contra a tirania da norma heterossexual dominante, como somos contra uma homossexualidade militante, e normativa.

Antonio Serzedelo

OpusGay Associação

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