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Domingo, 16 Outubro 2016 20:17

PORTUGAL
Sobre DSTs, Checkpoints e Centros Comunitários



Quando apareceram os primeiros checkpoint, que como se sabe são ferramentas fulcrais na luta contra esse flagelo mundial que é a SIDA (e as restantes DSTs), toda a gente ficou contente, tínhamos enfim um sítio onde se podia ir sem se sofrer de discriminação.


É certo e sabido que, em qualquer lado onde se vá (hospitais, centros de saúde, etc) onde seja possível fazer-se testes para despistar as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis), há olhares, dissimulados ou não, comentários, a panóplia usual de maneiras para fazerem uma pessoa sentir-se desconfortável por ter lá ido.

Ainda mais no caso das mulheres trans, em que tantas são forçadas a ingressar nas estatísticas do trabalho sexual como forma de sobrevivência, por uma sociedade que, se por um lado as discrimina a nível laboral, não lhes dando trabalho por serem trans, por outro as crucifica por se tornarem trabalhadoras sexuais. Aliás, quando vejo aquelas pessoas que são contra o trabalho sexual, supostamente para defenderem as mulheres, só me dá vontade de rir. Se por um lado as empurram para esse trabalho, seja por razões económicas ou por serem trans, por outro criticam-nas por serem trabalhadoras sexuais.

Claro que isto tem as suas raízes numa moral muito dúbia, judaico-cristã, que insiste em ver algo tão natural como o sexo como algo impuro. Como a nudez.

Bem, mas continuando, quando apareceu o primeiro checkpoint Lx, foi um rasgo de esperança. Apesar do bom trabalho desenvolvido, (não há bela sem senão), uma falha muito grave existe: é “um centro de base comunitária do GAT, dirigido aos homens que têm sexo com homens, para o rastreio rápido, anónimo, confidencial e gratuito do VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis, aconselhamento e referenciação aos cuidados de saúde.”

Ou seja, existem duas maneiras de se ver: ou as mulheres trans (e cis) se encontram excluídas, o que é incompreensível à luz da luta contra a propagação da SIDA (e de outras DST) que devia ser uma luta contra as doenças, não dirigida a um segmento especÍfico da população, ou pura e simplesmente consideram as mulheres trans como “Homens”.

Claro que qualquer mulher trans que lá se dirija, é atendida tão bem como qualquer “homem que tenha sexo com homens”. Mas só o facto de não aceitarem a existência de mulheres trans como classe autónoma e independente, transforma esta lacuna num caso de transfobia.

Veja-se, não é dirigido a homossexuais, supostamente porque existem homens que, tendo sexo com homens, não se consideram homossexuais. Segundo o dicionário Priberam online, Homossexual é “Diz-se da relação sexual ou afectiva mantida entre pessoas do mesmo sexo; Que ou quem sente atracção sexual por pessoas do mesmo sexo ou tem relações sexuais ou afectivas com pessoas do mesmo sexo.”

Não deixa de ser curioso que, por causa de alguns homossexuais (provavelmente homofóbicos) que não se consideram como tal, o checkpoint (ou o GAT) aceite esse argumento, mas no caso das mulheres trans não as aceite pelo que elas são: mulheres.

Dizem que é por causa dos apoios internacionais. Mesmo que assim seja, não é admissível que, em pleno século XXI, as mulheres transexuais sejam vistas como “homens”. E o GAT não devia ceder a pressões externas transfóbicas.

Continua a velha lenga lenga, em vez de serem vistas como mulheres que nasceram com genitália masculina, são vistas como homens que querem ser mulheres, como se uma pessoa, numa bela manhã, acordasse com a brilhante ideia “Boa, vou passar a ser mulher” ou outra absurdidade qualquer do mesmo tipo.

Enquanto não se mudar a mentalidade das pessoas para que pensem primeiro em mulheres e não em homens, temo muito que nada vá mudar a nível de discriminação. As mulheres trans são MULHERES que nasceram com genitália masculina. E vice versa para os homens trans. Não são homens nem mulheres que querem ser mulheres ou homens. Tampouco são homens ou mulheres que se sentem mulheres ou homens.

Iniciar-se qualquer raciocínio pelo género certo é importante, e neste caso preciso é fulcral, faz toda a diferença no tratamento, respeitoso ou desrespeitoso. Tal como ser considerada uma doença. Não é doença nenhuma. É simplesmente uma condição médica.

E como tudo neste planeta, e provavelmente no Universo, não é preto e branco. Nada é preto e branco. Tudo existe numa graduação entre estes dois pólos. Uma interminável graduação de cinza, onde cada um de nós tem o seu lugar. Às vezes tão subtil que, dentro das nossas limitações, não descortinamos a diferença, embora ela exista, esteja lá.

Em Lisboa, os dois checkpointLx que existem, um no Princípe Real, outro na Mouraria, são financiados pelo GAT que, infelizmente, nada fez para ajudar a retirar pessoas trans do desemprego. No atendimento ao público, onde cabiam perfeitamente, só há trabalho para homossexuais, não fossem direccionados para homens. O que se entende perfeitamente, afinal a discriminação laboral existente castiga mais a comunidade homossexual do que a comunidade trans. A maioria das mulheres trans têm emprego estável no trabalho sexual, enquanto que os homens que se dedicam a este trabalho são muito residuais. Ou pelo menos deve haver alguém que assim pense.

Recentemente apareceu no Porto o Centro Comunitário + Abraço, com o principal objectivo a promoção e o acesso à prevenção primária e secundária da infecção por VIH/Sida e outras IST’s em, adivinhava-se, homens que têm sexo com homens.

Portanto agora temos o GAT e a ABRAÇO a, ou a ignorarem a existência da comunidade trans, ou a considerarem as mulheres trans como homens, além do Ministério da Saúde que financia o Centro Comunitário no Porto.

O Ministério da Saúde é normal ter essa visão, afinal são os grandes impulsionadores da doença (chamem disforia ou transtorno, é o mesmo), reflectido na maioria dos psiquiatras e psicólogos que “tratam” estes casos. O mesmo não se devia dizer do GAT ou da Abraço que, sendo financiadas ou apoiadas pelo estado, são organismos independentes e como tal, deviam ser isentos (ou estanques) a estes tipos de transfobia. Infelizmente não o parecem ser.

E assim os grupos e/ou associações trans ficam numa posição desconfortável. Se por um lado querem fazer o que puderem na luta contra esse flagelo que são as DSTs, por outro para o fazerem (por exemplo a nível de divulgação) obrigatoriamente anuem com o tratamento desrespeitoso que se encontra implícito. Ou então não fazem nada, à espera de uma evolução nas mentes mais activistas que tarda.

Eduarda Alice Santos

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