"Os corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie ao olhar horrorizado ou faminto de pessoas e animais", continua o padre Luciano Guerra no seu texto. "Estou a recordar imagens que têm aparecido publicamente e serão mais numerosas à maneira que o aborto deixar de ser considerado crime", diz ainda o artigo, publicado no passado dia 13.
Luciano Guerra contesta o acesso das "mulheres abortistas" aos hospitais, "onde já faltam camas e serviços para as parturientes, para os doentes das urgências e para os que estão meses ou anos à espera de ser operados". Prevê então que esta "visão do sangue de tantos corpos inocentes atirados para as lixeiras" ou "transformados em cremes de amaciar a pele das próprias mães" criará uma revolta, maior do que a "dos dramas das mulheres pobres que morrem em abortos clandestinos".
O coordenador nacional da Pastoral da Saúde, o padre Vítor Feytor Pinto, manifesta "respeito pelo colega" mas considera as suas declarações "infelizes". Afirma que o tema do aborto "tem que ser tratado cientificamente e não assim, dando-lhe uma dimensão chocante".
Segundo disse ao PÚBLICO, o aborto é uma questão ética, e não religiosa, que tem de ser estudada. Feytor Pinto cita a Convenção dos Direitos da Criança quando diz que a vida humana deve ser respeitada "antes e depois do nascimento". "Não lhe estou a citar um Papa...", ressalva.
O responsável, que é membro do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde (um órgão da Santa Sé), acrescenta que este tipo de declarações "devem ser evitadas", porque acabam por "criar resistências, em vez de discutir a questão de fundo". "Preocupamo-nos muito com o problema do aborto mas não gostaríamos de vê-lo tratado assim", reforça.
"Com o país outra vez a discutir a questão do aborto é natural que posições mais fanáticas se exacerbem neste momento", comenta por seu lado o director executivo da Associação de Planeamento Familiar, Duarte Vilar. "É o preparar de posições para um referendo que vai acontecer proximamente". Considera, ainda assim, que "é um tipo de declarações que só compromete quem as diz" porque revelam "fanatismo e autismo em relação ao problema". E critica esta "obsessão pelo sangue", quando do que se trata é "de atender à saúde da mulher".
O aborto não pode ser uma forma de controlo da natalidade, sustenta, mas o aborto clandestino faz-se "de forma insegura, indigna e desacompanhada"; no aborto legal "trabalha-se com a mulher, para não repetir a experiência".
No seu editorial, Luciano Guerra coloca o aborto ao mesmo nível da união de homossexuais. Prevendo que um dia o Parlamento europeu imponha a toda a Europa casamentos do mesmo sexo, considera que, tal como o aborto, este é um problema que coloca em causa "a sobrevivência civilizacional do nosso continente".