Os organizadores da "Marcha Pelas Vidas das Mulheres" (título oficial da manifestação) pretendem demonstrar a sua determinação em manter o aborto legal nos EUA. Esta é a primeira grande manifestação em Washington dos movimentos pró-aborto ("pro-choice") na última década. Em 1992, um evento semelhante reuniu entre 500 mil e 750 mil pessoas na capital dos EUA para reivindicar os direitos reprodutivos das mulheres; os organizadores (sete grupos de defesa dos direitos das mulheres) esperam hoje reunir ainda mais gente. A manifestação será no "mall" de Washington, o cenário de alguns dos maiores eventos políticos da história dos EUA (como o célebre discurso "I have a dream" de Martin Luther King). Por que é que as organizações "pro-choice" escolheram esta altura para voltar a carga na defesa do direito ao aborto? Duas razões. Primeiro, este é um ano eleitoral nos EUA. Há presidenciais em Novembro; a agenda política tem sido dominada pela guerra, pelo terrorismo, pela economia; os activistas querem chamar a atenção da opinião pública para o aborto, um dos temas onde o Presidente George W. Bush e o seu rival democrata John Kerry têm posições mais diferenciadas. A segunda razão é que os grupos "pro-choice" acham que este é um momento crucial para a batalha do aborto. Muitos activistas receiam que os seus adversários, os grupos "pro-life", consigam a curto prazo anular o direito ao aborto. Não há na sociedade americana um tema mais fracturante do que o aborto. O actual quadro jurídico foi estabelecido em 1974 na célebre decisão do Supremo Tribunal "Roe vs. Wade", que estipulou em termos gerais o direito a abortar. Nas três décadas desde então, o aborto tornou-se numa guerra entre activistas "pro-choice", feministas e libertários, e activistas "pro-life", religiosos e conservadores. As sondagens mostram que uma maioria dos americanos continua a apoiar o direito ao aborto. Mas os números são menos claros em relação a temas específicos (como certas técnicas de aborto, ou os direitos dos pais sobre as decisões de filhas adolescentes de abortar). O aborto é um tema tão delicado que os líderes políticos americanos tendem a evitá-lo. No entanto, não há dúvidas que o actual Presidente está no campo "pro-choice". Ainda este mês, George W. Bush ratificou legislação que dá direitos jurídicos aos fetos. A sua Administração garante que o objectivo é apenas proteger os direitos das mulheres grávidas; os grupos "pro-choice" acham que o verdadeiro propósito é lançar bases para dar personalidade jurídica aos fetos e assim minar o direito ao aborto. O receio dos activistas pró-aborto é que, pouco a pouco, Bush e os seus aliados conservadores se estejam a preparar para anular "Roe vs. Wade". A decisão de voltar a proibir o aborto só poderia ser tomada pelo Supremo Tribunal. O órgão máximo de jurisprudência dos EUA tem nove juízes, nomeados vitaliciamente. Neste momento, julga-se que há uma maioria de cinco contra quatro no tribunal a favor do direito ao aborto. É provável que um ou mais destes juízes se reforme nos próximos quatro anos. Nesse caso, será o Presidente escolhido nas presidenciais de Novembro a seleccionar os novos juízes. Os grupos "pro-choice" receiam que, se Bush conseguir a reeleição, ele escolha juízes hostis a "Roe vs. Wade". "Todos sentimos que estamos num momento crucial", disse ao "Washington Post" Eleanor Smeal, líder do grupo Feminist Majority. "Como líderes, temos responsabilidade de dizer ao povo como a situação é grave." [...]
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