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Quarta-feira, 20 Agosto 2003 00:59

BRASIL
Tufvesson ataca “veemência raivosa” da Igreja Católica



Num artigo publicado n´O Globo de hoje, 20/8, o estilista carioca Carlos Tufvesson atacou a interferência do Vaticano nos assuntos estritamente políticos e referentes a direitos civis em resposta à “Carta do Papa a seus Deputados Católicos pelo Mundo”. Tufvesson questiona a legitimidade de mudanças no Código Civil para se adaptar aos preceitos de leituras específicas da Bíblia, lembrando que as escrituras usadas pela Igreja para atacar os direitos de homossexuais permitiram no passado (e no presente) a escravidão, a pena de morte, proíbe a comunhão a cegos e mutilados e condena à morte os que trabalham aos sábados.


Aqui vai o artigo na íntegra:

Por um Estado laico e soberano

Sou casado há oito anos com uma pessoa com quem divido minha vida, minhas alegrias e tristezas, por quem tenho um profundo amor e carinho, a ponto de não conseguir enxergar nada de errado ou indigno no nosso amor. Tenho certeza que este é um amor abençoado por Deus e por minha família. Por isso, não consigo ficar indiferente ao me ver numa situação de não poder viver meus direitos civis na plenitude apenas por estar vivendo maritalmente com uma pessoa do mesmo sexo.

Não entendo por que a Igreja Católica continua afirmando, e com uma veemência raivosa, que nós homossexuais desejamos receber o sacramento do casamento de acordo com a tradição católica, quando já se sabe muito bem que nossa reivindicação é pela tutela de nossos direitos civis (a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo); direitos esses que qualquer cidadão brasileiro, independente de raça, cor ou credo, possui de acordo com nossa Constituição. Por lei, o Novo Código Civil, art. 1.521, não elenca pessoas do mesmo sexo nas hipóteses de vedação para o casamento civil.

O que se quer é uma não discriminação sexual de nossos direitos civis e uma salvaguarda de nossos direitos constitucionais. É inaceitável que, como cidadão brasileiro, minha vida tenha de ficar à mercê do parecer favorável de um juiz para reconhecer direitos que são constitucionalmente meus. Embora o Judiciário tenha se pronunciado favoravelmente a causas de reconhecimento de status de cônjuge, não se pode esquecer da morosidade da Justiça para uma ação ser julgada. E no caso de separação ou morte, a vida de várias pessoas é transtornada e exposta à maldade e vingança de familiares pouco satisfeitos com a homossexualidade de seus entes, e muitas vezes ávidos por dinheiro, como várias vezes já noticiado.

Na “Carta do Papa a seus Deputados Católicos pelo Mundo”, o que passa despercebido é a inaceitável interferência do chefe de Estado do Vaticano em leis em tramite no Congresso Nacional soberano. Não se pode permitir a um outro país que interfira em nossa legislação e declare uma cruzada religiosa para obstruir leis que não têm nenhum cunho religioso. Mesmo que tivessem, o Congresso é soberano para tomar suas decisões. Seria a mesma coisa que Israel tentasse fazer lobby para que seus deputados no mundo inteiro proibissem o consumo de carne suína, por estar em desacordo com sua religião..

Não existe mais espaço nas sociedades contemporâneas para o fundamentalismo religioso. Fico pasmo ao ver intelectuais como d. Eugenio Sales conclamar a todos (em artigo neste jornal) a “como os demais cristãos, viver a castidade”, como se fôssemos todos seminaristas e tivéssemos feito voto de castidade. Ou como se os “demais cristãos” vivessem plenamente essa “castidade” propagada.

Atitudes como esta mostram o quanto o pedaço da Igreja influenciado por Karol Wojtyla e Ratzinger está distante do dia-a-dia dos seus fiéis. É o mesmo pensamento obtuso quando esse grupo prega contra o uso de anticoncepcionais, ou quando afirma, mesmo sendo cientificamente provado o contrário, que a camisinha não é eficaz na luta contra a Aids, e se posiciona contra o aborto, mesmo em casos de estupro.

Entristece-me ver líderes religiosos usarem a Bíblia para tentar sustentar a posição do Vaticano, quando sabem muito bem que o próprio Levítico, citação preferida nessas ocasiões, permite também que um homem compre escravos desde que de outro país (25:44). Ou não permite a cegos, coxos, mutilados ou pessoas com “defeitos” receber a comunhão (22:17). Ou permite a pena de morte tão condenada pela Igreja (24:17). Ou até condena à morte aqueles que trabalharem no sábado (Êxodo 35:2).

Diante disso, cabe um reflexão: devemos mudar a legislação para adaptar o Código Civil às leis da Sagrada Escritura? Como seria isso numa sociedade policultural e politeísta como a nossa?

Lembrando sempre que o Estado é laico, e diante de alguns exemplos citados acima, não cabe a um líder religioso sofismar em cima do Livro Sagrado para atacar, fomentar a segregação e estimular o ódio e a falta de informação correta entre as pessoas e seus fiéis. Milhões de homossexuais pelo mundo são atingidos diariamente e têm suas vidas dificultadas com essa intifada promovida pela Igreja Católica — a mesma Igreja que perseguiu protestantes, judeus, índios e agora persegue os homossexuais; isso sim, um pecado punido pela lei de Deus que diz: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como eu vos amei, exemplo que, francamente, não vem sendo seguido por seus representantes

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