O vento de Alá
Lefemine não é a única pessoa a ver a cólera de Deus na terrível devastação que o Katrina trouxe à Costa do Golfo. Tal como aconteceu com os ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001 e com o tsunami asiático do ano passado, o furacão originou muitas explicações e visões apocalípticas de todo o espectro religioso e ideológico. "É quase certo que isto é um vento de tormenta que Alá enviou a este império americano", escreveu uma individualidade kuwaiti, Muhammad Yousef Mlaifi, no diário árabe Al-Siyassa, sob o título "O terrorista Katrina é um dos soldados de Alá".
A Retirada da Faixa de Gaza
Em Israel, o jornalista cristão Stan Goodenough ficou impressionado por esta coincidência: nos últimos dias em que os colonos judeus foram despejados das suas casas na Faixa de Gaza, os americanos foram obrigados a deixar as suas residências em Nova Orleães. "É apenas uma coincidência? Não para os que acreditam no Deus da Bíblia", escreveu numa coluna para o Jerusalem Newswire, na Net. "O que a América está a sentir é o juízo divino para a nação mais responsável por ter colocado em perigo a terra e o povo de Israel".
A Decadência Gay
Em Filadélfia, Michael Marcavage também não julgou tratar-se de coincidência o furacão chegar quando gays e lésbicas de todo o país iram participar em Nova Orleães num festival chamado "South Decadence". "Não nos alegramos com a morte de pessoas inocentes", disse Marcavage, que trabalhou com Clinton na Casa Branca em 1999 e agora dirige a Repent America, uma organização evangélica que pede à nação para deixar de estar revoltada contra Deus. "Cremos que Deus controla o tempo. O dia em que Bourbon Street e o French Quarter foram inundados era o dia em que 125.000 homosexuais iam celebrar o pecado nas ruas", afirmou numa entrevista telefónica.
Todos os Pecados
Os reverendos Jerry Falwell e Pat Robertson, que foram criticados por terem sugerido que os ataques do 11 de Setembro eram o castigo divino pelo aborto, a homosexualidade, o feminismo e a proliferação de grupos liberais, têm estado calados quanto ao significado do furacão. "É muito arriscado atribuir uma intenção divina aos desastres naturais. Só Deus sabe por que é que estas coisas acontecem", considerou Robert Knight, director do Concerned Women for America"s Culture and Family Institute.
Mas o reverendo Alex McFarland, do movimento cristão Focus on the Family, explicou numa entrevista telefónica: "Deus criou um mundo perfeito. Mas os homens introduziram o pecado, a rebelião e a desobediência. E depois de Deus ter julgado o pecado humano com o Dilúvio, surgiram as condições climatéricas que hoje conhecemos". McFarland pensa "ser triste que as pessoas aproveitem a oportunidade para transformarem isto num intrumento político" e culparem o Governo. Seria especulativo considerar que "George W. Bush está a criar o aquecimento global e, consequentemente, o Katrina".
Ateus contestam
Ted Steinberg, professor de História na Case Western Reserve University, em Cleveland, argumentou em 2002, no seu livro Acts of God: The Unnatural History of Natural Disaster in America, que os americanos têm visto muitas vezes a vontade de Deus nos terramotos, inundações e secas cujas consequências têm sido agravadas por um planeamento inadequado. Na sua opinião, como ateu, disse, ao efectuarem obras ao longo do Mississippi e ao drenarem terras pantanosas os sapadores militares e as autoridades locais apressaram o afundamento de Nova Orleães abaixo do nível do mar e destruíram as ilhas que protegiam a Costa do Golfo. "Culpar Deus é lavar daí as mãos", comentou. E essa opinião teve eco nos grupos ambientalistas como os Friends of the Earth, que disseram que a Administração Bush tem alguma responsabilidade, porque "trabalhou incansavelmente para sabotar o acordo internacional sobre a mudança de clima e colocou interesses económicos dos EUA acima da estabilidade climática global".