Hoje as coisas estão um pouco diferentes esta criança já anda.
PG: O festival para chegar a este patamar, assumiu uma importância maior?
CJ: Isso não tenho a menor dúvida! Institucionalmente eu acho que nós atingimos a nossa meta, ao nível da respeitabilidade, credibilidade do serviço que estamos prestando a esta cidade e ao país. A nível internacional a conquista foi muito mais abrangente o que nós não conseguimos conquistar ainda, e isso é algo real, ainda não conseguimos seduzir a imprensa portuguesa, definitivamente não. A um nível que eu não posso usar outra palavra que não seja preconceito: o Expresso é vergonhoso, noutros jornais as materias são pequenas, há alguns programas de televisão, mas eu acho que o festival com a oferta que tem é absurdo não ter uma maior presença. Eu não trouxe pessoas como Monica Troite, Rosa Falcão, Bruce LaBruce e outros para isto. Custa-me a acreditar que seja por ignorancia, porque eles mostram tantas coisas de valor duvidoso, que de repente não me vem outra palavra à boca, eu acho que a imprensa Portuguesa é preconceituosa com todos as letras. Nunca que eu me permiti a tal discurso até hoje mas, passados estes anos todos não tenho outra explicação.
PG: O Festival começa em 97 nessa altura ligado á ILGA Portugal, e entretanto o próprio festival torna-se ele mesmo numa associação. Como foi a retirada, a separação da ILGA Portugal, foi uma saida demorada, controversa, foi uma saida facil... Como é que foi?
CJ: Não poderei dizer que tenha sido uma saída facil, mas tambem não foi complicada. Pode haver um pequeno grupo que discorde inicialmente com a saída do festival, mas já no segundo ano foi falado a nível da direcção da ILGA Portugal, na altura do Gonçalo Diniz, que no futuro isso seria algo que iria acontecer. Por uma razão muito simples: equipas distintas e objectivos distintos. A questão da equipa era muito importante: o festival tinha a sua equipa própria, tinha os seus gastos próprios. Você veja: nós talvez tenhamos um objectivo social mas ele esta muito dissolvido... o nosso objectivo é cultural antes de tudo. Já uma associação como a ILGA Portugal tem um objectivo social mais objectivo. Eu acredito que haja sempre situações menos claras nessa história, mas uma coisa é certa e segura: a saída do festival tem a ver unicamente com a necessidade de crescimento do próprio festival. De repente o festival ficou absolutamente preso, estando condicionado a prazos, equipas e situações que seriam hoje incomportáveis. Não só para poder trabalhar mas para atingir a projecção que temos... É aquilo que eu digo: é um filho que cresce e tem que sair de casa, o que é normal.
PG: Neste momento (e penso que tens consciência disso) o Festival tem uma grande importância a nível internacional e cá dentro um pouco mais devagar... Este ano com o maior número de filmes, o maior número de salas, e o maior número de convidados, como é que se chega a estes números?
CJ: para ter uma ideia das coisa já há dois meses que estou a trabalhar no sexto festival, tendo já dezoito filmes seleccionados para o ano embora ainda não programados. Como já te disse antes nós já tivemos festivais com maior numero de filmes que este ano. O que este ano temos é cerca de 70% dos filmes que foram de difícil negociação, o que nós temos é uma Atalanta que é de mente aberta, o Paulo Brando tem o melhor catálogo do país, sem dúvida, e tem uma brilhante relação com o festival. Veja por exemplo o vencedor de Berlim deste ano, os seus direitos foram comprados por uma pequena empresa do Porto que acha o nosso festival uma faca de dois gumes que poderia conotar o filme deles como sendo um filme gay (que na verdade é) e com toda a certeza não conseguiremos o filme. Por isso eu também não entendo para que compram os direitos do filme se não tem capacidade de soltar os filmes nas salas de cinema. Outro exemplo, e porque falamos dos straigth e dos gay, é para mim mais fácil o relacionamento com produtoras, jornalistas e até empresas que contactei este ano, que sejam straigth que aqueles que na frente tem alguém que toda a gente sabe que são um bando de "Bichas e Camionistas". E que estão tomando conta de uma série de sectores e que pensam que se promoverem um festival como este vão se dar a conotar com o festival. Faça-me o favor: estou de saco cheio e já não tenho idade para essas cobardias! É uma falta de profissionalismo extremo. Já que um bom profissional deve ser sempre isento, nos straight a descontração deles a lidar connosco é excelente e não falo só no estrangeiro mas mesmo aqui em Portugal. Não tem nada que provar a ninguem... este ano foi sem duvida uma coisa que me deixou muito triste porque perde-se coisas muito boas com este tipo de situações.
Tivemos depois um longo desabafo de Celso Júnior que diz que este ano não seria um ano padrão para se falar do festival. Este ano era talvez o ano em que a organização se esforçou ao mais alto nível para que não faltassem filmes, para que tivéssemos aqui realizadores com Sai Ming-Liang, que por causa de uma barbaridade de um atentado fica retido em Toronto e não pode passar por Londres porque não dispõe de visto, ou porque temos os filmes de quarentena no aeroporto porque vêm dos EUA. Um desespero interno que estava também presente no dia de abertura, no rosto dos presentes. Diz Celso Júnior que as pessoas estavam apreensivas e transtornadas vindo só a sentir clima de festa no dia em que se passou o filme "Tabu", em que se via mais uns sorrisos e maior brilho nos rostos. A imagem que ficou em Celso Júnior foi o facto de todos os anos ter que ir junto da fila dos bilhetes para a cinemateca e dizer que já não dá para para colocar mais ninguém dentro do cinema, porque se encontra lotado e sempre foi "chingado" este ano as pessoas sairam em silencio sem protestos, e isso deu no C.J. um sentimento de angústia porque aquelas pessoas que até o insultavam em outros anos desta vez estavam cabisbaixos, amedrontadas com os acontecimentos de dia 11 de Setembro.
PG: Embora não me agrade a comparação de maior ou menor, o Festival Gay Lésbico de Lisboa é maior ou menor que outros festivais feitos na Europa, como por exemplo o de Berlim, atingimos o mesmo grau de importância?
CJ: São distintos: o mesmo patamar de importância ainda não... é muito difícil chegar aí. Afinal de contas eles têm prémios desde o primeiro ano, foram eles que premiaram o Pedro Almodôvar com o filme "A Lei do desejo". É um festival menor que o nosso a nível de tempo, com menos filmes que o nosso, mas com outra respeitabilidade que o nosso ainda não atingiu, ainda não temos idade para isso.
PG: Foi dificil chegar à FNAC?
CJ: Não é o primeiro ano que nós estamos com a FNAC. A FNAC vem apoiando o festival desde o ano passado de uma forma mais discreta: foram os ciclos que fizemos lá, um certo apoio meio escondido, mas este ano foi um patrocínio e ao mesmo tempo fizeram uma publicidade que vale muito mais que o dinheiro que nos deram. E enquanto até hoje a palavra era "nós apoiamos o Festival de Cinema" a FNAC entra como um semitom dizendo "nós estamos com" o que caiu muito bem.
PG: Gente do festival, gente com coragem, ou suficientemente louca, e este ano o festival toma o expresso do oriente até ao Porto. Quem o responsável por isso, como surgiu, quem organiza no Porto?
CJ: viajamos este ano e viajaremos o ano que vem se for o caso, como viajaremos até Faro provavelmente. Mas isto surgiu através de um jornalista que é o Rodrigo Affreixo, se nos perguntou se nós estaríamos interessados em ter o festival no Porto. Claro que sim, mas penso que o Porto se devia organizar porque ficaria muito mais fácil e barato para todos. Porque tomar conta de um festival do Porto, Lisboa e Faro é impraticável. Mas se o Porto e Faro se organizarem e tiverem a sua estrutura, isso seria fantástico porque os calendários se poderiam organizar de forma a que os festivais fossem a seguir uns aos outros e assim teríamos as despesas dos filmes repartidas ficando muito melhor para todos num trabalho conjunto. Porque este ano levo treze dos oitenta e um filmes para o Porto é viável e não dá muita confusão, mas se fosse duas semanas no Porto como duas em Lisboa seria impossível.
PG: Como se explica que até 4 dias antes do início do festival no Porto ainda não existissem cartazes nos locais frequentados pelos GLBT, como o Café Na Praça, Boys'R'Us, Moinho de Vento, Him e Q'Bar?
CJ: Com toda a sinceridade não posso explicar, a responsabilidade de Lisboa no Porto é na distribuição no fornecimento das fitas. A parte de divulgação e promoção é da organização no Porto que, como deves compreender, me transcende.