JPR: Em Lisboa, na rua, eu e mais cinco pessoas. Fizemos castings apenas de pessoas com determinadas directivas. E depois foi necessário encontrar a pessoa certa para o papel.
E onde é que o encontraste?
JPR: O Ricardo trabalhava num bar à noite. No casting foi mesmo quase "Tem de ser este".
E o casting era o quê? Tinham que representar o quê?
JPR: O casting era mais uma espécie de entrevista. Acaba por ser uma coisa um bocadinho pessoal. De como é a vida das pessoas. Embora as personagens não sejam eles, porque não têm nada a ver. Depois há muitos pontos em comum. Eles não se movem naquele meio (alguns sim), mas há coisas da sensibilidade de cada um que passam para o filme. E era também isso que me interessava ter. Um ponto de contacto entre as pessoas e as personagens que eu queria no filme.
E fizeste perguntas muito pessoais?
JPR: Sim, muito pessoais mesmo. E quando começamos a filmar eles sabiam exactamente o que tinham de fazer. Não havia dúvidas nisso, e foi sempre uma relação muito profissional. Embora ao serem pessoas sem formação no campo de actor, acaba sempre por haver uma relação muito mais íntima. Porque não há a distância do profissional, eu próprio tive que criar mesmo essa distância: "Isto é um trabalho, e estamos a representar", para não haver confusões porque não pode haver confusões.
É como se as personagens do teu filme, neste caso o Sérgio, utilizagem uma pessoa, o Ricardo, como matéria prima. Sem nenhum processo de transformação. Achas que existe uma colagem ao que ele é?
JPR: Ele é muito diferente e muito igual, e eu só poderia fazer este filme com ele.
É engraçado que depois de dizeres isto tudo quase se pode concluir que o Ricardo é homosseuxal...
JPR: Mas não é.
Mas é isso que é engraçado: como é que um homem que não é consegue desempenhar um papel perfeito de como um gay engata... porque à partida é muito complicado... Achas que ele mudou? Achas que ele viu o outro lado?
JPR: a nível sexual não (risos)... mas ele agora diz-me que quer ser actor, mudou nisso. Ele antes nunca pensaria em ser actor, acho eu.
Nessa perspectiva todos poderíamos ser actores, por exemplo uma senhora que encontramos na rua
JPR: Não, não. Por isso é que demorou tanto tempo... eu acho que são pessoas especiais, mas não sei explicar porquê. Eu por exemplo nunca poderia ser actor, não tenho à vontade frente ás câmaras. Por isso são mesmo umas pessoas iluminadas que andam por aí, pelas cidades, e que tem esta coisa que é um mistério... e que no caso do Ricardo é o olhar, ele tem realmente o olhar que eu queria: há desejo no olhar dele.
Isto faz-me lembrar o Projecto Blair Wich...
JPR: Não tem nada a ver... no caso desse filme havia uma camarazita, era quase um filme feito em casa. E neste não: eu controlo tudo milimetricamente, porque eu sou obsecado pela imagem, e por isso eu quero que as coisas sejam exactamente de uma maneira. Embora por vezes as coisas me supreendem e isso é que é bonito, quando as coisas supreendem e ficam ainda melhor do que se estva à espera. Porque os actores não são actores, as pessoas são humanas e têm imensas contradições, elas próprias. E quando essas coisas passam para a personagem de um filme, também há um mistério qualquer naquelas personagens, acho que isso é bonito. A abordagem é completamente diferente do Blair Wich. Eu repito as coisas, ás vezes, 30 vezes.