João Pedro Rodrigues Porque o personagem trabalha à noite, é natural que o filme se passe quase todo à noite. O personagem anda quase todo o dia a dormir. Vive numa pensão onde passa os dias, tem um circuito tipo ao fim da tarde e depois à noite vai trabalhar. É um cantoneiro da Câmara Municipal de Lisboa, um homem do Lixo. Mas "O Fantasma" não é um filme sobre os homens do lixo. Os homens do lixo são como uma âncora no real que me interessava, um suporte para a minha ficção, e a partir daí contruí uma história que é completamente inventada e não tem nada a ver com nem com nenhum homem do lixo que eu tenha conhecido... Eu fiz cerca de 4 meses de pesquisa junto deles e vi como é que eles trabalhavam... o filme acaba muito por ser um universo pessoal que depois se afasta um bocadinho da realidade e vai para os terrenos do fantástico. O personagem às tantas usa uma máscara, que no início é uma máscara do desejo, que obdece a certas práticas sexuais com aquela máscara e depois torna-se numa espécie de último refúgio, a última pele que ele veste e acaba sozinho sendo essa a sua última morada.
O Fantasma é uma personagem sem ser o Sérgio, ou é o Sérgio? Isto tem dois lados...
JPR: Eu sei... o filme está construído de uma maneira que também eu não gostava de dizer porque há... pode haver essa dúvida de haver duas pessoas, e depois ás tantas descobre-se. Percebes? É complicado 'tar a dizer. Eu acho que determinadas pessoas percebem logo o que é, mas também 'tar a dizer tira um bocadinho da graça. Embora o filme não esteja construído sobre esse efeito de supresa há pessoas que vão ver logo, há outras que não.
Porquê os homens do lixo? Porque não outra profissão qualquer?
JPR: O ponto de partida da história foi: os homens do lixo são pessoas que existem na cidade e que fazem parte da paisagem hurbana, mas nós não damos por eles. Estamos tão abituados a ver os homens do lixo, vamos atrás do carro, apitamos, etc, mas não os vemos... há logo esta ideia base pois eles são como fantasmas que habitam a cidade mas não se vêm. E é como se eles pudessem saber da vidas das pessoas, e ver, porque fazem sempre o mesmo percurso. Podem saber o que se passa nesta zona, saber o que fazem aquelas pessoas alí, mas ninguém dá por isso. E no meu filme, é um bocadinho quando um homem do lixo começa a entrar na vida dessas pessoas. Não tem só um papel passivo de recolha do lixo. Por isso é que não é tanto a recolha do lixo, é uma espécie ligação á realidade. Há também o lado da porcaria, da abjecção, e eu exploro um bocadinho esse lado mas não o acentuo demasiado, porque acho que é muito redutor. Não há nenhuma falta de dignidade no trabalho que eles fazem, é um trabalho banal, que eles fazem como qualquer pessoa faz o seu trabalho...